DECISÃO FAVORÁVEL – CLONAGEM DE
CARTÃO DE CARTÃO DE CREDITO – DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DÍVIDA E DANOS MORAIS
PELA COBRANÇA INDEVIDA EM RAZÃO DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS -
FALTA DE SEGURANÇA – SERVIÇO DEFEITUOSO
VISTOS, ETC. L. F. D. A.,
qualificada na inicial, ajuizou, com supedâneo na Constituição Federal, no
Código Civil de 2002 e na Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a
presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS MORAIS contra o BANCO CITICARD S/A., igualmente
qualificado, aduzindo, em epítome do essencial, que, na condição de titular, há
mais de 06 (seis) anos, do cartão de crédito nº 5448.2970 .02006.7206 -
Credicard Master Gold, que lhe foi ofertado e é administrado pela instituição
bancária ora acionada, foi surpreendidda, ao receber a fatura com vencimento em
05 de outubro de 2012, com os registros de inúmeras compras feitas em lojas
distintas no dia 24 de agosto daquele ano, mas que, todavia, não o foram com
toda certeza por si, as quais atingiram um valor cabalmente incompatível com a
sua realidade financeira, no caso, o montante de R$6.669,64 (seis mil,
seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), tendo
esclarecido que sempre utilizou o cartão de maneira correta, segura e
parcimoniosa, bem assim como que nunca o perdeu de nenhum modo. Afirmou que
solicitou o bloqueio do cartão no dia 02 de outubro, data em que contestou,
junto ao Suplicado, a cobrança, naquela data, de 08 (oito) operações realizadas
com o seu cartão, tendo pedido providências a respeito junto ao Procon e
registrado um Boletim de Ocorrência no 9º Distrito Policial do Carandiru.
Asseverou, outrossim, que houve falha no sistema de segurança do banco, pois,
além de o seu cartão de crédito haver sido clonado, foi usado para a aquisição
de produtos cujos valores superaram em muito o seu limite de compras disponível
em 08 de agosto de 2012, que era de R$3.700,00 (três mil e setecentos reais), e,
como se não bastasse esse surpreendente contratempo, ele não atendeu os seus reclamos,
tanto que não a contactou quer pela via telefônica ou postal, configurando essa
sua indiferença e esse seu descaso, à claridade dos ditames e princípios da Lei
Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dano moral passível de
indenização, dano que estimou entre 20 (vinte) e 50 (cinquenta) salários
mínimos. Sustentou, ainda, a responsabilidade objetiva do Acionado, que estaria
obrigado a criar mecanismos eficientes de proteção de todas as operações que
envolvam o uso dos cartões magnéticos por si disponibilizados a seus
clientes/consumidores, sobretudo hodiernamente, quando são alardeados aos
quatro ventos pelas diversas mídias, as fraudes e golpes perpetrados contra
correntistas e usuários de cartões de crédito graças à vulnerabilidade de
indigitados mecanismos, não podendo eles arcar com os ônus financeiros
advenientes dessas ações ilícitas, sendo elas inerentes aos riscos da atividade
econômico-empresarial desenvolvida pelas instituições financeiras. Finalizando,
requereu a procedência da demanda, com a consequente declaração de
inexigibilidade dos débitos lançados em seu cartão de crédito no dia 08 de
outubro de 2012, no importe de R$ 6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e
nove reais e sessenta e quatro centavos), o que sucedeu em decorrência de ter
sido objeto de clonagem e utilização por terceiro de má-fé, bem assim como com
a condenação do Demandado no pagamento de verba indenitária pelo dano
extrapatrimonial que lhe cau sou com sua negligência. Conferiu à causa o valor
de R$18.670,00 (dezoito mil, seis-centos e setenta reais).
A exordial veio escoltada pelos
documentos encartados a fls. 33/61 deste feito. Mediante a respeitável decisão
proferida a fls. 62, este Juízo houve por bem em deferir o pleito antecipatório
formulado na peça inaugural, concedendo à Autora o benefício de litigar sob os
auspícios da gratuidade processual.
Após ter sido regular e
pessoalmente citado pela via postal (cf. fls. 65), o Demandado ofertou,
tempestivamente, sua contestação de fls. 67/78, que se fez acompanhar da
documentação entranhada a fls. 79/113. Resumidamente, pugnou pelo inacolhimento
da pretensão deduzida na prefacial ao argumento de que a Demandante não teria
se desincumbido do ônus processual que lhe impõe o artigo 333, inciso I, do
Código de Processo Civil, ou seja, não provou a existência de fato constitutivo
do direito subjetivo por si invocado quando da propositura desta actio,
principalmente que o seu cartão de crédito foram realmente clonado e utilizada
indevida e ilicitamente por outrem, nenhum adminículo probatório tendo carreado
a feito que evidenciasse que os seus serviços se mostraram defeituosos ou de
que tivesse tido alguma responsabilidade pelo uso indevido do seu cartão de
crédito. Por derradeiro, sustentou que não há que se falar in casu de qualquer
da-no de natureza extrapatrimonial, sobretudo porque nenhum elemento probatório
foi colacionado aos autos pela Promovente que tivesse o condão de demonstrar
que algum abalo psicológico ou emocional experimentou em razão da utilização
indébita do seu cartão, tendo pleiteado que, na hipótese de não ser esse o
entendimento deste Juízo, que o quantum ressarcitório fosse arbitrado com
proporcionalidade e razoabilidade.
Em réplica, manifestou-se a
Acionante a fls. 139/160, rebatendo a defesa apresentada pelo Suplicado e
porfiando em que a res in indicio deducta fosse integralmente acolhida por este
Juízo, visto que patente a responsabilidade civil do banco pela clonagem de seu
cartão de crédito. Superada a fase procedimental de especificação de provas
(cf. fls. 161 e 163/164), os autos, concertados, vieram conclusos para as
deliberações de direito (cf. fls. 190).
É o RELATÓRIO do necessário.
Passo à FUNDAMENTAÇÃO. O processo comporta julgamento no estado em que se
encontra, fazendo-se prescindível qualquer dilação probatória, porquanto as
provas enfeixadas e reunidas nos autos, de cunho eminentemente documental, mostraram-se
suficientes para que este Julgador formasse, a partir de um juízo adveniente da
discricionariedade controlada de que cuida o artigo 130 do Código de Processo
Civil, formasse sua convicção acerca da pretensão deduzida na exordial,
subsumindo-se o caso vertente, destarte, à hipótese de incidência do artigo
330, inciso I, daquele codex. Consoante jurisprudência pacífica e remansosa de
nossos Tribunais, inclusive do egrégio Superior Tribunal de Justiça,
"constante dos autos elementos de prova documental suficientes para formar
o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada
antecipadamente a controvérsia" (cf. Agravo Regimental nº 14.952/DF -
Relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, tendo o venerando Acórdão
sido prolatado em 04 de dezembro de 1991, com improvimento do recurso por
votação unânime, publicado o julgamento no Diário da Justiça da União de 03 de
fevereiro de 1992, p. 472). Como transparece, imperioso que este Juízo conheça
diretamente do pedido inicial, até porque o Demandado, quando do exercício do
seu constitucional direito ao contraditório e de defesa (cf. fls. 67/78),
deixou de observar o que prescreve o artigo 302 do Estatuto Adjetivo Civil,
isto é, não impugnou especificadamente todos os fatos articulados na peça
inaugural, dando ensejo à presunção de veracidade daqueles em relação ao quais
silenciou, avultando em importância a circunstância de não haver infirmado a
clonagem do cartão de cré- dito da Requerente e a alegação desta de que sempre
zelou pelo uso adequado e seguro do seu cartão, nunca o tendo perdido de vista.
Isso posto, temos que ação é procedente, pese embora a ponderabilidade dos
argumentos alinhados pelo Requerido em sua peça contestatória de fls. 67/78.
Desde logo, cumpre assentar que o caso vertente está sujeito às disposições do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, visto que o vínculo jurídico
existente entre as partes litigantes encerra, iniludivelmente, nos expressos
termos do artigo 3°, caput e § 2° daquele diploma legal, relação de consumo, já
que a outra conclusão não se poderia chegar diante da evidente condição do
Requerido de fornecedor de serviço de crédito no mercado de consumo e da
Suplicante como consumidora dos mesmos. Em suma, a relação existente entre as
partes desavindas é de consumo, estando a espécie, por conseguinte, sob a égide
dos princípios e ditames da Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990,
máxime ao que preceituam os seus artigos 6º, inciso VIII, e 14, que
estabelecem, além da indispensabilidade de inverter-se o ônus da prova em favor
do consumidor - com vistas à facilitação de sua defesa -, também a
responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, de modo que não
há que se perquirir sobre sua atuação culposa, ou não, no desempenho de sua
atividade econômica. No caso específico destes autos, não divisamos, após uma
análise atenta da documentação que lhes foi carreada, a materilização de
qualquer das causas excludentes da responsabilidade do Requerido, no caso,
aquelas particularizadas nos incisos do § 3º daquele preceptivo legal, nem
mesmo aquela insculpida no inciso II, relevando assinalar que este Juízo não se
convenceu de que a Autora realmente fizera as compras por si contestadas e
impugnadas administrativa e judicialmente, mas, ao revés, de que a instituição
financeira ora acionada, enquanto administradora do cartão de crédito que lhe
disponibilizou - a título oneroso, de bom alvitre sublinhar este pormenor -,
não diligenciou (obligatio ad diligenciam) de modo a assegurar a "efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais" a que estão sujeitos
os seus clientes hodiernamente, cumprindo consignar que a clonagem de cartões
magnéticos trata-se de modalidade de fraude deveras frequente nos dias que
correm, constituindo prova inequívoca e contundente disso o sem número de ações
propostas nesta Vara e nas demais deste Foro Central tendo como causa de pedir
acontecimentos semelhantes àquele historiado no libelo, sendo certo que a
frequência de atos fraudulentos de tal jaez deve-se, precipuamente, à
vulnerabilidade do sistema operacional e informatizado dos bancos e demais
instituições financeiras, não se podendo deslembrar e olvidar que é ela
inerente aos riscos da atividade econômica por eles desenvolvida no mercado de
consumo. De ver-se, nesse passo, que de um singelo passar d'olhos nas faturas
juntadas no processo pela Promovente, verifica-se e constata-se, sem nenhuma
dificuldade, que ela sempre se utilizou do seu cartão de crédito com segurança
e parcimônia, nunca deixando de considerar a sua realidade financeira, fugindo
completa e ostensivamente ao seu padrão de consumo as aquisições feitas no dia
08 de outubro de 2012 elencadas e listadas na peça vestibular, as quais
atingiram um total de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais
e sessenta e quatro centavos), o que autoriza a ilação de que foram
implementadas por terceiros de má-fé que se prevaleceram da falta de cuidado
necessário objetivo do Banco Citicard S/A. no trato com seus clientes e
usuários de seus serviços e produtos, vale dizer, da vulnerabilidade do sistema
operacional e de segurança do banco, prejudicando, com essa sua omissão, a
Demandante. Como se vê, a res in judicio deducta reúne condições de prosperar,
inclusive no tocante ao pleito indenizatório, uma vez que perfeitamente intuitivo,
pelas regras ordinárias de experiência comum, pela lógica ordinária das coisas
(cf. o artigo 335 da Lei Processual Civil), que os contratempos e
aborrecimentos que a Suplicante vem arrostando desde que veio a lume a fraude
de que foi vítima nos idos de agosto de 2010 desbordam significativamente dos
reveses inerentes à vida de relação na contemporaneidade, o que se agrava
quando a cessação desses aborrecimentos e transtornos que a vêm fustigando de
há muito depende única e excluvisamente da instituição bancária ora demandada,
cuja inércia e insensibilidade relativamente a essa situação denota o seu
descaso para com os mais comezinhos direitos dos consumidores e das
consumidoras de seus produtos e serviços, malferido os princípios da boa-fé
objetiva, da confiança, da equidade e da probidade que devem permear e aureolar
toda e qualquer negócio jurídico contratual, mormente os de natureza
consumerista. A propósito dos danos morais, de ponderar-se que a Constituição
Federal de 1988, depois de proclamar que a dignidade da pessoa humana constitui
um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (cf. o seu artigo 1°,
inciso III), preceituou que "são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação" (cf. o seu artigo 5°, inciso
X), inserindo, desse modo, no direito positivo brasileiro, a indenizabilidade e
a reparabilidade do dano moral, não remanescendo quaisquer dúvidas de que as
normas elencadas no citado artigo 5° são autoaplicáveis e, portanto, de
incidência imediata, consoante, aliás, enuncia o inciso LXXVII, § 1º, do mesmo
preceptivo constitucional. Como é de sabença geral, antes da sobrevinda da Lex
Fundamentalis de 1988, o egrégio Supremo Tribunal Federal só admitia a
reparação do dano moral, salvo raríssimas exceções previstas em lei, quando o
agente fazia (ação) algo que lhe não era permitido legalmente, ou deixava de
fazer (omissão) algo a que estava obrigado juridicamente, atingindo e afetando
com sua ação ou omissão o patrimônio do ofendido. Na verdade, o ressarcimento
estava limitado ao dano material. Com a instauração da nova ordem
constitucional, introduziu-se entre nós o dano moral como fator desencadeante
da reparação civil, impendendo que a tradição, em nosso direito, de apenas
indenizar materialmente o dano moral ceda diante da expressa previsão
constitucional. Anote-se, ainda, que a indenização pelo dano extrapatrimonial
funda-se no princípio da responsabilidade civil, razão por que, para sua
caracterização, há que se recorrer ao artigo 186 do novel Código Civil, lei de
regência do caso sub judice juntamente com a Lei Protetiva do Consumidor, uma
vez que o liame vinculatório das partes litigantes, conforme salientado supra,
consubstancia, inelutavelmente, relação de consumo. Feita esta breve - porém
indispensável - digressão a respeito da necessariedade de indenizar-se o dano
moral, cumpre observar que este somente é passível de indenização quando atinge
o indivíduo enquanto ser humano, causando-lhe dor, sofrimento, dissabor,
desconforto e/ou constrangimento moral e psíquico, sentimentos economicamente
inestimáveis e incalculáveis. O dano moral é conceituado por Savatier como
"qualquer sofrimento humano que não é causado por perda pecuniária"
(cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, Editora Forense,
1995, p. 54). O eminente e festejado jurista pátrio Aguiar Dias, amparado em
Minozzi, completa que o dano moral deve ser compreendido como "a dor, o espanto,
a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação
experimentada pelas pessoas, atribuída à palavra dor o mais largo
significado" (cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., p. 55).
Conseguintemente, não é sempre que uma pessoa se sente melindrada ou magoada
diante de determinadas situações da vida que fica legitimada a mobilizar a
máquina judiciária com o escopo de ver-se ressarcida extra patrimonialmente.
Consoante o magistério do insigne e saudoso CARLOS ALBER-TO BITTAR,
"cumpre haver ação (comportamento positivo) ou omissão (negativo) de
outrem que, plasmada no mundo fático, vem alcançar e ferir, de modo injusto,
componente da esfera da moralidade do lesado. Há, em outros termos, um impulso
físico ou psíquico de alguém no mundo exterior - ou de outra pessoa ou coisa
relacionada, nos casos indicados na lei - que lesiona a personalidade da
vítima, ou de pessoa ou coisa vinculada, obedecidos os pressupostos e os
limites fixados no ordenamento jurídico. Em termos simples, o agente faz algo
que lhe não era permitido, ou deixa de realizar aquilo a que se comprometera
juridicamente, atingindo a esfera alheia e causando-lhe prejuízo, seja por
ações, gestos, palavras, escritos, ou por meios outros de comunicação
possíveis" (cf. Reparação Civil por Danos Morais, Editora RT, São Paulo,
1993, p. 128).
Pois bem, in casu, chegou este
Juízo, ao término e ao cabo de um exame percuciente de todo processado, à
convicção de que o agasalhamento da pretensão indenizatória deduzida na
prefacial era de rigor, sobretudo em função do raciocínio que expendeu nos
parágrafos precedentes, raciocínio que o conduziu à certeza de que o não
equacionamento, pelo Requerido, até esta parte, do problema com o qual está às
voltas a Autora desde que, nos idos de 2012, descobriu que o seu cartão de
crédito fora clonado e usado por desconhecidos para a aquisição, aos 24 de
agosto daquele ano, de mercadorias junto às lojas discriminadas na peça
vestibular (cf. fls. 03), convenceu-se este Julgador de que essa omissão do Suplicado
está, sim, de molde a caracterizar dano moral indenizável, sobretudo porque sua
a responsabilidade pelo acesso criminoso ao seu sistema operacional, com a
consequente viabilização da clonagem do cartão de crédito da Promovente, isto é,
a clonagem teve lugar em razão de culpa exclusiva do Acionado, que não se
conduziu, no desempenho de sua atividade econômica e empresarial, com o cuidado
necessário objetivo (obligatio ad diligentiam) que dele seria legítimo
exigir-se no trato com seus clientes/consumidores (exigibilidade de conduta
diversa), a fim de que não viessem a sofrer qualquer tipo de prejuízo. É
evidente que a empreitada delituosa que vitimou a Autora não teria sido exitosa
na eventualidade de o banco dispor de mecanismos de segurança eficientes e
eficazes, portanto, capazes de inibir a ação de mal feitores e estelionatários.
De ver-se, outrossim, neste ponto, que no caso em testilha se está diante do
que, na doutrina e na jurisprudência nacionais, se convencionou denominar
damnum in re ipsa, que vem a ser o dano que se verifica apenas com a
concretização do resultado lesivo e a conexão com o fato causador primário para
o nascimento, ipso facto, do direito subjetivo à reparação integral pela
simples violação, com base na teoria da objetivação. Cuida-se de caso típico de
presunção absoluta sobre a ocorrência do prejuízo extrapatrimonial, com
desnecessidade de sua comprovação no plano material, já que intuitiva a sua
eclosão em consonância com a lógica ordinária das coisas, as máximas de
experiência comum (cf. o artigo 335 da Lei de Rito), invariavelmente secundadas
e corroboradas pelo quod plerumque accidit. No caso específico da Promovente, é
induvidoso que os aborrecimentos e transtornos que vem arrostando desde que se
inteirou da clonagem e do uso ilícito do seu cartão de crédito configuram dano
moral passível de ser ressarcido pelo responsável direito pela perpetuação no
tempo de aborrecimentos e transtornos que tais, no caso, o Banco Citicard S/A.,
constituindo prova irrefragável disso a provocação, mediante a propositura
desta demanda, da atividade jurisdicional do Estado, sem cuja interveniência é
lícito afirmar o caso da Requerente não seria, ante a renitência e contumácia
da instituição bancária em toma essa iniciativa, materializada inclusive no
fato de haver contestado a res in judicio deducta, não seria solucionado com
justiça e equanimidade. Obtempere-se, ainda, que o pleito ressarcitório estriba-se
na asserção de que o Suplicado agiu culposamente, i.e., fulcra-se e deita
raízes tal pretensão na responsabilidade civil, e, nesses termos, insta
observar que, para que surja e aflore a obrigação de ressarcir, mister ser faz
a prova de existência de uma relação de causalidade entre a ação e a omissão
culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se esta experimentar um
prejuízo, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da
atitude do agente, o pedido de indenização por si formulado estará,
necessariamente, fadado ao insucesso, posto que au-sentes os pressupostos legais
estatuídos no artigo 186 do Estatuto Substantivo Civil de 2002. Como é sabido e
consabido, na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três
elementos, ditos essenciais e basilares na doutrina subjetivista, quais sejam,
a) a ofensa a uma norma jurídica preexistente ou erro de conduta; b) um dano; e
c) a conexão causal entre uma e outro. Portanto, não basta que o agente haja
procedido contra jus, contra legem, ou seja, não se aperfeiçoa e define a
obrigação de indenizar, a responsabilização civil do agente, enfim, pelo só
fato de perpetrar um comportamento doloso, negligente, imprudente ou imperito.
Essa obrigação apenas surgirá a partir do instante em que, sofrendo a vítima
uma lesão patrimonial (lato sensu) - que vem a ser, como é cediço, o elemento
objetivo do dever de tornar indene o sujeito passivo da ação ou omissão ilícita
-, a partir do instante em que, da conduta lesiva, resulte e redunde prejuízo e
se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal
causado, o que significa dizer que é preciso que não remanesçam incertezas de
que, sem a ação comissiva ou omissiva, o dano não teria acontecido. Nessa linha
de pensamento, tem-se que o dever de ressarcir do Requerido nasceu no exato
instante em que, além de não dispor de um sistema operacional e de segurança
capaz de evitar fraudes como aquela que vitimou a Suplicante, nenhuma
providência concreta tomou com o escopo de minimizar a sua angústia e o seu
sentimento de inadequação ao saber que seu cartão fora clonado e efetivamente
utilizado em diversos estabelecimentos no dia 24 de agosto de 2012, isso pela
singela e boa razão de presumir-se, com caráter de absolutidade (presunção
juris et de jure), o prejuízo de índole moral por ela suportado, com o que
ficaram comprovados a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade -
trilogia estrutural da responsabilidade civil comum. Tangentemente ao montante
indenitário a ser pago à Autora a título de reparação pelo dano
extrapatrimonial que experimentou, este Magistrado, tomando como parâmetro a
conduta a um só tempo temerária, negligente e inconsequente do Requerido, a
gravidade de sua culpa, fincada no fato de haver feito tabula rasa do que
preceitua o artigo 6º, incisos VI, da Lei Consumerista, o seu inconteste poderio
econômico e a intensidade do trauma psíquico e emocional suportado e que ainda
está a suportar a Acionante - veja-se a notícia nada alvissareira trazida por
ela ao conhecimento deste Juízo em sua promoção de fls. 168/174, a confirmar o
descaso do Demandado aos princípios da boa-fé objetiva, da confiança, da
probidade e da equidade -, este Magistrado reputa razoável a sua estipulação em
montante correspondente a 30 (trinta) salários mínimos vigentes à época da
liquidação desta sentença, cumprindo assinalar que esse montante se nos antolha
suficiente para proporcionar-lhe bem-estar psíquico compensatório dos
aborrecimentos e desgostos que teve e continua tendo, como, outrossim, para,
peda- gogicamente, punir e desestimular o Demandado de reincidir na perpetração
de condutas assemalhadas à que teve e continua a ter para com a Suplicante, não
sendo ocioso consignar que seu comportamento, além de desrespeitar o princípio
da dignidade humana, guindado à condição de um dos sustentáculos da República
Federativa do Brasil (cf. o artigo 1º, inciso III, da Carta R epublicana
vigente), terminou por onerar ainda mais o já congestionado Poder Judiciário do
Estado de São Paulo, o que, decerto foi levado em conta por este Juízo no
arbitramento da verba indenitária. Sintetizando, em tendo a Demandante logrado
desincumbir-se satisfatoriamente do ônus processual de demonstrar que suportou
dano moral em razão de comportamento culposo do Acionado, bem assim como de que
não fez as compras por si listadas na peça inaugural (cf. fls. 03), impende
seja, sem mais delongas, acolhido o pedido inicial, inclusive para que seja
reconhecida a inexistência do débito de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e
sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), cuja cobrança insiste em
fazer o Banco Citicard S/A.. Tollitur quaestio!
DECIDO. Pelo que precede, e
levando em consideração tudo o mais que destes autos consta, hei por bem em
JULGAR PROCEDENTE a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO
CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, proposta por L. F. D.
A., qualificada na inicial, contra o BANCO CITICARD S/A., igualmente
qualificado, o que faço para o fim de:
a) declarar inexistente a dívida
que ensejou a propositura desta demanda, no importe de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos
e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos) e que decorre da
utilização ilícita do seu cartão de crédito no dia 24 de agosto de 2012 junto
às lojas nominadas a fls. 03 deste feito, incumbindo ao Suplicado promover, em
05 (cinco) dias, com caráter de definitividade, o seu estorno das faturas
emitidas ultiormente às indigitadas compras, sob pena de, em não o fazendo,
arcar com o pagamento de multa cominatória diária no valor de R$10.000,00 (dez
mil reais - astreintes), ficando confirmada, inclusive para os fins do artigo
520, inciso VII, do Código de Processo Civil, a respeitável decisão proferida
por este Juízo a fls. 63, em sede de tutela antecipada; e
b) condenar o Requerido a pagar
para a Suplicante, à guisa de indenização pelos danos morais que culposamente
lhe causou, a quantia equivalente a 30 (trinta) salários mínimos vigentes à
época da liquidação desta sentença, a ser implementada na forma e nos moldes
dos artigos 475-B, 475-I e 475-J da Lei de Rito.
Processo nº 0064026-81.2012. (OBS: decisão sujeita a recurso).