27/02/2012

Serviços públicos essenciais (Luz, agua, esgoto..) só podem ser interrompidos em condições muito especiais

O Código de Defesa do Consumidor regrou no art. 22 especificamente os serviços públicos essenciais e sua existência para impedir que os prestadores de serviços públicos pudessem construir "teorias" para tentar dizer que não estariam submetidos às normas do CDC. (Mas, mesmo com sua expressa redação, alguns prestadores de serviços públicos lutaram na Justiça "fundamentados" no argumento de que não estariam submetidos às regras da Lei n. 8.078/90) (*1).

Serviço público prestado direta ou indiretamente

Diz a norma: "órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento", vale dizer, toda e qualquer empresa pública ou privada que por via de contratação com a Administração Pública forneça serviços públicos, assim como, também, as autarquias, fundações e sociedades de economia mista. O que caracteriza a pessoa jurídica responsável na relação jurídica de consumo estabelecida é o serviço público que ela está oferecendo e/ou prestando.

No mesmo artigo a lei estabelece a obrigatoriedade de que os serviços prestados sejam "adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". Examinemos o sentido desses termos.


Eficiência

Em primeiro lugar diga-se que essa disposição da norma decorre do princípio constitucional estampado no caput do art. 37. É o chamado princípio da eficiência (*2). É verdade que tal princípio somente passou a integrar explicitamente o corpo constitucional com a edição da Emenda n. 19, de 4 de junho de 1998, data posterior à edição da Lei n. 8.078/90. Mas a emenda citada apenas tornou explícito o princípio outrora implícito em nosso sistema constitucional, como explicam os Professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

"O princípio da eficiência tem partes com as normas de ′boa administração′, indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores, deve concretizar atividade administrativa predisposta à extração do maior número possível de efeitos positivos ao administrado. Deve sopesar relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos, em suma, tem por obrigação dotar da maior eficácia possível todas as ações do Estado"(*3).

Hely Lopes Meirelles disciplina que a eficiência é um dever imposto a todo e qualquer agente público no sentido de que ele realize suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. Diz o administrativista:

"É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros"(*4).

É fato que a lei designa outros adjetivos aos serviços prestados, além do relativo à eficiência: fala em adequado, seguro e contínuo (este último para os essenciais, que ainda comentarei).

Ora, adjetivos expõem a qualidade de alguma coisa, no caso o serviço público. Então, quando o princípio constitucional do art. 37 impõe que a Administração Pública forneça serviços eficientes, está especificando sua qualidade. Ou, em outros termos, o tão falado conceito de qualidade, do ponto de vista dos serviços públicos, está marcado pelo parâmetro constitucional da eficiência.

E essa eficiência tem, conforme vimos, ontologicamente a função de determinar que os serviços públicos ofereçam o "maior número possível de efeitos positivos" para o administrado.

Isso significa que não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O serviço tem de ser realmente eficiente; tem de cumprir sua finalidade na realidade concreta. E o significado de eficiência remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona.

A eficiência é um plus necessário da adequação. O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida concretamente. É isso que o princípio constitucional pretende.

Assim, pode-se concluir com uma classificação das qualidades dos serviços públicos, nos quais o gênero é a eficiência, tudo o mais decorrendo dessa característica principal. Logo, adequação, segurança e continuidade (no caso dos serviços essenciais) são características ligadas à necessária eficiência dos serviços públicos.

Realmente, o serviço público só é eficiente se for adequado (p. ex., coleta de lixo seletiva, quando o consumidor tem como separar por pacotes o tipo de material a ser jogado fora), se for seguro (p. ex., transporte de passageiros em veículos controlados, inspecionados, com todos os itens mecânicos, elétricos etc. checados: freios, válvulas, combustível etc.), e, ainda, se for contínuo (p. ex., a energia elétrica sem cessação de fornecimento, água e esgoto da mesma forma, gás etc.).

Para uma classificação dos serviços públicos pelo aspecto da qualidade regulados pelo CDC, ter-se-ia, então, de dizer que no gênero eficiência estão os tipos adequado, seguro e contínuo.

Pode acontecer de o serviço ser adequado, mas não ser seguro. Ou ser seguro e descontínuo. Ou ser inadequado apesar de contínuo etc. No primeiro caso, cite-se como exemplo o serviço de gás encanado sem controle de inspeção das tubulações e/ou válvulas. No segundo cite-se o serviço de fornecimento de energia elétrica que é interrompido. No terceiro aponte-se o fornecimento contínuo de água contendo bactérias.

Em todos esses casos há vício do serviço e, dependendo do dano sofrido pelo consumidor, haverá também defeito. Tudo nos exatos termos do estabelecido nas regras dos arts. 14 e 20 do CDC.

E, claro, como os serviços públicos hão de ser eficientes, as variáveis reais possíveis da junção dos tipos não são apenas as dicotômicas apresentadas (adequado-inseguro; seguro-descontínuo; inadequado-contínuo etc.), mas também podem ocorrer pela conexão das três características: adequado-inseguro-descontínuo; inadequado-seguro-contínuo; adequado-seguro-descontínuo etc.

Foi isso o que ficou estabelecido na Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplinou o regime de concessão e permissão dos serviços públicos, como decorrência do estabelecido no art. 175 da Constituição Federal.

É que a Carta Magna dispõe que a lei deve regulamentar a obrigação da manutenção do serviço público de forma adequada. Leia-se a citada norma constitucional:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado".

Os §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei n. 8.987/95, então, dispõem:

"Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço".

Vê-se, portanto, que há ampla determinação para que os serviços públicos sejam eficientes, adequados, seguros e contínuos.


Serviço essencial contínuo

Prosseguindo no exame, chega-se ao aspecto da essencialidade do serviço que, na determinação da norma do caput art. 22, tem de ser contínuo.

Há que distinguir dois aspectos: o que se pode entender por essencial e o que pretende a norma quando designa que esse serviço essencial tem de ser contínuo.

Serviço essencial

Começo pelo sentido de "essencial". Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia etc.

Mas, então, é de perguntar: se todo serviço público é essencial, por que é que a norma estipulou que somente nos essenciais eles são contínuos?

Para solucionar o problema, devem-se apontar dois aspectos:

a) o caráter não essencial de alguns serviços;

b) o aspecto de urgência.

Existem determinados serviços, entre os quais aponto aqueles de ordem burocrática, que, de per si, não se revestem de essencialidade. São serviços auxiliares que:

a) servem para que a máquina estatal funcione;

b) fornecem documentos solicitados pelo administrado (p. ex., certidões).

Se se fosse levantar algum caráter de essencialidade nesses serviços, só muito longínqua e indiretamente poder-se-ia fazê-lo.

Claro que existirão até mesmo emissões de documentos cujo serviço de expedição se reveste de essencialidade, e não estou olvidando isso. Por exemplo, o pedido de certidão para obter a soltura de alguém preso ilegalmente. É o caso concreto, então, nessas hipóteses especiais, que designará a essencialidade do serviço requerido.

O outro aspecto, sim, é relevante. Há no serviço considerado essencial uma perspectiva real e concreta de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação. O serviço de fornecimento de água para uma residência não habitada não se reveste dessa urgência. Contudo, o fornecimento de água para uma família é essencial e absolutamente urgente, uma vez que as pessoas precisam de água para sobreviver. Essa é a preocupação da norma.

O serviço público essencial revestido, também, do caráter de urgente não pode ser descontinuado. E no sistema jurídico brasileiro há lei ordinária que define exatamente esse serviço público essencial e urgente.

Trata-se da Lei de Greve - Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989. Como essa norma obriga os sindicatos, trabalhadores e empregadores a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, acabou definindo o que entende por essencial. A regra está no art. 10, que dispõe, verbis:

"Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III -distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV- funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de susbstâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI - compensação bancária".

Dessa forma, nenhum desses serviços pode ser interrompido. O CDC é claro, taxativo e não abre exceções: os serviços essenciais são contínuos. E diga-se em reforço que essa garantia decorre do texto constitucional.

Com efeito, como se sabe, a legislação consumerista deve obediência aos vários princípios constitucionais que dirigem suas determinações. Entre esses princípios encontram-se os da intangibilidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da garantia à segurança e à vida (caput do art. 5º), que tem de ser sadia e de qualidade, em função da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do art. 225) e da qual decorre o direito necessário à saúde (caput do art. 6º) etc.

Ora, vê-se aí a inteligência da lei. Não é possível garantir segurança, vida sadia, num meio ambiente equilibrado, tudo a respeitar a dignidade humana, se os serviços públicos essenciais urgentes não forem contínuos.

Interrupção

A Lei n. 8.987, citada acima, prevê a possibilidade de interrupção do serviço público em situação de emergência por motivo de "ordem técnica ou de segurança das instalações" (art. 6º, § 3º, I).

Em primeiro lugar, essa regra excepcional apenas constata que certas situações de fato podem ocorrer (mas não deviam: razões de ordem técnica e segurança das instalações que gerem a necessidade de interrupção), e tais situações, ainda que, eventualmente, venham a surgir, significam interrupção irregular do serviço público, aliás em clara contradição com o sentido de eficiência e adequação. Afinal, problema técnico e de insegurança demonstra ineficiência e inadequação. (Lembro que qualquer dano - material ou moral - causado pela interrupção dá direito a indenização, uma vez que a responsabilidade do prestador do serviço é objetiva, e a mera constatação da possibilidade de descontinuidade feita pelo art. 6º, § 3º, I, da Lei n. 8.987 não tem o condão de elidir a responsabilidade instituída no CDC).

Inadimplência do consumidor

Alguns operadores do direito, a meu ver de forma equivocada, têm-se manifestado no sentido contrário à norma (e mesmo contra sua clara letra expressa), admitindo que o prestador do serviço público corte o fornecimento do serviço essencial em caso de inadimplemento.

Antes de apresentar os argumentos pró e contra a descontinuidade em caso de inadimplemento, há que se abordar, como preliminar, a hipótese inserta na supracitada Lei n. 8.987.

Isso porque aquele mesmo § 3º do art. 6º dispõe não se caracterizar como descontínuo o serviço quando ocorrer "inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade".

E essa disposição tem servido de apoio àqueles que, erradamente, admitem o corte do fornecimento em caso de não pagamento da tarifa.

Teria sido melhor a Lei n. 8.987 não ter tratado do assunto, porque:
a) seria inconstitucional, como veremos, a lei ordinária admitir o corte por mera inadimplência;

b) para dizer o que disse, bastavam as disposições já vigentes da Lei n. 8.078, que dão cabal solução à questão.

Mas, como a norma existe, cuido dela, pois, antes de prosseguir.

A redação do inciso II do § 3º do art. 6º fala em inadimplemento do usuário, "considerando o interesse da coletividade". É essa parte da proposição normativa que salva o texto.

O interesse da coletividade que seja capaz de permitir a interrupção do serviço público essencial - garantido constitucionalmente - só pode algum tipo de fraude praticada pelo usuário e que, por isso, possa causar algum prejuízo à coletividade. Conforme mostrarei mais à frente, admitir-se-á o corte do fornecimento do serviço apenas após autorização judicial, se demonstrado no feito que o consumidor inadimplente, podendo pagar a conta - isto é, tendo condições econômico-financeiras para isso -, não o faz. Afora essa hipótese e dentro dessa condição - autorização judicial -, o serviço não pode ser interrompido.

Na sequência deixarei tal circunstância mais esclarecida.

O fato é que aqueles que pensam que se pode efetuar o corte confundem o direito de crédito que tem o fornecedor com o direito que ele não tem de interromper a prestação do serviço.

Os partidários dessa posição alegam que o Poder Público não pode ser compelido a prestar serviço público ininterrupto se não for feito o pagamento da tarifa ou taxa.

Mas isso também não corresponde à verdade:

a) O principal argumento contra essa "tese" da possibilidade do corte do fornecimento dos serviços essenciais no caso de inadimplemento é não só o do expresso texto legal, mas simplesmente o da lógica mais simplória.

Pergunta-se: para que então o legislador escreveu que os serviços essenciais são contínuos?

Se fosse para permitir que eles pudessem ser interrompidos em caso de inadimplemento, então não precisaria ter sido escrito. Bastava a redação do art. 22 terminar no adjetivo "seguro".

Em sendo assim, o prestador do serviço público essencial poderia cortar o seu fornecimento, desde que existisse previsão contratual para tanto. Porém, a lei declara expressamente: serviço essencial é contínuo!

b) Por outro lado, se o legislador escreveu apenas para dizer que os serviços públicos são essenciais e contínuos, isto foi em vão, porque não é o art. 22 que faz esse tipo de prestação ser essencial, mas sua própria natureza.

c) É de lembrar-se que a determinação de garantia da dignidade, vida sadia, meio ambiente equilibrado etc. é constitucional, como visto. É direito inexpugnável a favor do cidadão-consumidor.

d) Existem, além disso, outros argumentos jurídicos menos relevantes, mas que também são aplicáveis ao caso:

d.1) Há milhares de cidadãos isentos de pagamentos de tributos e taxas sem que isso implique a descontinuidade dos serviços ou qualquer problema para a administração do Estado;

d.2) Um bem maior como a vida, a saúde e a dignidade não pode ser sacrificado em função do direito de crédito (um bem menor);

d.3) É plenamente aceitável que seja fornecido ao cidadão um serviço público gratuito. Aliás, em última instância é essa a função do Estado, que deve distribuir serviços de qualidade e gratuitos a partir dos tributos arrecadados. Não há nenhum impedimento lógico para que certos grupos sociais de menor poder aquisitivo recebam, portanto, alguns serviços públicos sem ter de pagar por eles. Repito: já é assim com tributos como, por exemplo, o IPTU;

d.4) Aliás, se quem mais pode mais paga tributo, não há qualquer inconveniente em que aquele que não pode pagar pelo serviço público o receba gratuitamente, como já ocorre no atendimento hospitalar, na segurança pública, na educação etc.

É preciso concretizar num exemplo a intenção da lei, para se ficar plenamente convencido da justiça e constitucionalidade de sua determinação.

Tomemos o caso do serviço de energia elétrica ou de água e esgoto. Suponhamos a família composta por João da Silva, sua esposa Maria e seus dois filhos pequenos, de 2 e 4 anos de idade. Digamos que ele, trabalhador da indústria metalúrgica há muitos anos, perca o emprego, pois a indústria empregadora, num corte de gastos, mandou embora dezenas de trabalhadores (*5).

João da Silva mora com a família numa pequena casa financiada pelo Sistema Financeiro de Habitação. Juntou, anos a fio, uma reserva mensal para poder dar entrada no seu sonho (e necessidade) maior: o imóvel. Mas, depois que o adquiriu, com o nascimento do seu segundo filho, o arrocho salarial e o aumento das despesas, não conseguiu mais guardar um "tostão" sequer, como se diz.

Pois bem. Despedido, passou a engrossar a longa fila dos desempregados e a viver da mirrada quantia do seguro-desemprego. Os depósitos que tinha, retirados do Fundo de Garantia, esgotaram-se em 3 meses, já que a maior parte foi usada para complementar a parcela de entrada da residência.

Com dificuldades para comprar comida para seus filhos, João deixou de pagar as contas de água e energia elétrica. Ou, em outros termos, os serviços públicos essenciais de água e esgoto e de energia elétrica fornecidos na casa de João e que são medidos e cobrados todo mês - e que, diga-se, ele sempre pagou - não foram quitados no vencimento.

Agora, o que irá acontecer?
Para os adeptos da posição de que pode haver suspensão da entrega dos serviços essenciais em caso de inadimplemento, João da Silva, sua esposa e filhos pequenos estarão em grande dificuldade, e a violação a seus direitos constitucionais será flagrante.

Se os prestadores dos serviços públicos cortarem o fornecimento de energia elétrica, bem como água e esgoto, além das perdas imediatas (comida se estragando na geladeira, riscos de acidente noturno no escuro com as crianças etc.), os direitos básicos daquelas pessoas passam a não ser supridos. Com isso, surge um problema de saúde pública.

As chances de João e sua esposa e, especialmente, de seus filhos adoecerem aumentam enormemente. E, quanto mais tempo passar, pior será. Diríamos até que, depois de algum tempo, o problema de saúde inexora velmente ocorrerá.

Nem estou citando o sofrimento (o dano moral) de João e seus familiares, porque ele é evidente.

Doente aquela família, há riscos para os demais cidadãos que com eles convivem e, assim, para toda a comunidade. (Paradoxalmente, o Estado estará punindo essas pessoas causando-lhe dor e sofrimento, fazendo-as adoecer e, depois, deverá delas cuidar nos serviços de saúde!)

É isso o que essa posição doutrinária pretende?

Garantia constitucional

A Carta Constitucional proíbe terminantemente que isso ocorra:
 a) O meio ambiente no qual vive o cidadão - sua residência, seu local de trabalho, sua cidade etc. - deve ser equilibrado e sadio.

b) É desse meio ambiente que decorre, em larga medida, a saúde da pessoa e consequentemente sua vida sadia, tudo garantido constitucionalmente.


c) Se para a manutenção desse meio ambiente e da saúde e vida sadia do indivíduo têm de ser fornecidos serviços públicos essenciais, eles só podem ser ininterruptos.

d) O corte do serviço gera uma violação direta ao direito do cidadão e indiretamente à própria sociedade.

e) Aliás, numa análise global da possível economia do sistema de administração da justiça distributiva, é evidente que é mais custoso para o Estado ter de amparar a família que adoeceu por falta do fornecimento dos serviços essenciais do que fornecê-lo gratuitamente, conforme acima anotei (afora o problema de as doenças se espalharem (*6).

É um trabalho simples e barato de prevenção da saúde.

Preço

Além disso tudo e para concluir, falo um pouco do preço do serviço público. A remuneração do serviço público, adotando o regime tarifário, tem a mesma concepção de preço, mas não se confunde com o preço privado, cuja amplitude nasce num contexto de fixação pelo fornecedor, dentro dos parâmetros e com os limites constitucionais.

Ora, o serviço público é bem indisponível, sendo prestado pelo Estado e seus agentes por força de lei. Tais agentes não podem dispor do serviço público: são obrigados a prestá-lo para atingir o interesse público irrenunciável.

Assim, ainda que remunerado por meio de preço (tarifa), é claro que este há de cercar-se de características especiais, já que nesta seara não há que se falar em negociação ou decisão entre as partes contratantes, nem em disponibilidade do objeto do negócio. Não se pode, por isso, confundir o preço que o consumidor paga ao adquirir roupas numa loja com o preço que o usuário de um serviço público, essencial e indisponível paga a uma concessionária.

Ademais, mesmo na esfera privada há produtos e serviços necessários como, p. ex., o medicamento produzido por uma única empresa que pode curar o câncer, o atendimento do socorro médico etc. Nesses casos, o consumidor também não tem escolha. Não pode decidir por adquirir ou não: é prisioneiro da compra.

Nos serviços públicos a necessidade é de sua própria natureza. De um lado o comando constitucional determina sua prestação; de outro, o usuário não tem possibilidade de escolher a negociação: é obrigado a usufruir do serviço público, tanto mais em se tratando do serviço essencial.

Logo, não são o preço e seu pagamento que determinam a prestação do serviço público, mas a lei.

Nessa linha de entendimento já expunha Geraldo Ataliba: "Se o serviço é público, deve ser desempenhado por força de lei, seu único móvel. O pagamento (...) é-lhe logicamente posterior: é mera consequência; não é essencial à relação de prestação-uso do serviço"(*7).

Destarte, com ou sem pagamento do preço (tarifa), o Estado não pode eximir-se de prestar o serviço público, como determina a lei. Claro que esse quadro não se altera quando os serviços são prestados mediante concessão ou permissão.

E, para concluir minhas observações, mais dois pontos.

O primeiro, já adiantado, refere-se à constatação de que existem serviços públicos fornecidos independentemente do pagamento. Por exemplo, o de coleta de lixo. Quer o cidadão pague quer não as taxas cobradas, o lixo é (tem de ser) recolhido. Pelo simples motivo de que isso é essencial, contínuo e fundamental para a manutenção de um meio ambiente saudável.

O segundo é relativo ao direito de crédito do prestador do serviço público. Não se pretende simplesmente tirar-lhe o direito de receber o quantum relativo ao fornecimento do serviço. Ele pode, é claro, receber seu crédito. Mas este, para ser cobrado, está também submetido às regras instituídas no CDC.

A cobrança não pode ser abusiva (art. 42, c/c o art. 71). E, uma ameaça ilegal de cobrança é a do corte do serviço essencial. E pior: o corte efetivo com o intuito de forçar o consumidor inadimplente ao pagamento é uma concreta violação.

A meu ver só há um caminho para o prestador do serviço essencial suspender o fornecimento desse serviço: é ele propor ação judicial para cobrar seu crédito e nessa ação comprovar que o consumidor está agindo de má-fé ao não pagar as contas. Pode haver, inclusive, pedido de antecipação de tutela ou pedido de liminar em cautelar, se o fornecedor-credor puder demonstrar a má-fé do consumidor.

Naturalmente, no caso de João da Silva e sua família, o corte dos serviços não poderá ser feito. Mas, no de alguém que, não pagando as contas de água, adquire um automóvel zero-quilômetro, é fácil demonstrar sua má intenção.

Com isso, salva-se o sistema jurídico, respeita-se o consumidor e garante-se o direito do credor. A justiça plena do sistema constitucional se realiza. E nem se argumente que tal circunstância seria uma violação ao direito do credor, porquanto, como aqui já referi inúmeras vezes, receber ou não crédito decorre do risco de sua atividade. E lembre-se que, atualmente, no sistema jurídico brasileiro, um credor como, por exemplo, um banco pode ficar impossibilitado de receber seu crédito pela via judicial se o devedor residir no único imóvel que lhe pertence, impenhorável por força da Lei n. 8.009, que instituiu o chamado bem de família legal, e não tiver mais bens penhoráveis. Nem por isso se pode falar em injustiça, uma vez que aquela lei é constitucional e decorre do direito de moradia, assegurado na Carta Magna, que também garante, como já vimos, a vida sadia, o meio ambiente equilibrado e, assim, a dignidade da pessoa humana.

Notas
* 1 - Para ficar só com um exemplo, veja-se o caso da decisão da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo no agravo de instrumento interposto pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp. Nas razões do recurso do feito, que envolve a discussão a respeito de valores cobrados pelo fornecimento de água e esgoto (que o consumidor alega foram cobrados exorbitantemente), a empresa fornecedora fundamenta sua resignação "na não subordinação da relação jurídica subjacente àquela legislação especial (o CDC)". O Tribunal, de maneira acertada, rejeitou a resistência da Sabesp: "indiscutível que a situação versada, mesmo envolvendo prestação de serviços públicos, se insere no conceito de relação jurídica de consumo. Resulta evidente subordinar-se ela, portanto, ao sistema do Código de Defesa do Consumidor" AI 181.264-1/0, rel. Des. J. Roberto Bedran, j. 9-2-1993, v. u., RTJE 132/94.

* 2. Para mais dados, consultar meu Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 6ª. ed. 2011, Cap. 3, item 3.11.

* 3. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 235

* 4. Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Saraiva, 13ª. ed, p. 90.

* 5. Realço que esse exemplo inventado é absolutamente (e infelizmente) real no País, e, aliás, os casos que se multiplicam são muito piores do que esse aqui relatado.

* 6. Isso sem falar em outros problemas que o corte de serviços públicos acarreta, como o da segurança, por exemplo.

* 7. Hipótese de incidência tributária, 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1992, p. 146.

Rizzatto Nunes é mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP. É desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Autor de diversos livros, lançou recentemente "Superdicas para comprar bem e defender seus direitos de consumidor" (Editora Saraiva) e o romance "O abismo" (Editora da Praça).

Fonte: Terra Magazine - 27/02/2012

25/02/2012

Saiba se você tem direito a ações da Telebrás

Quem comprou linhas de telefone fixo das companhias locais entre 1975 e 1995, tem direito a ações da estatal e pode ser acionista da empresa atualmente,

O trabalhador pode ter ações da Telebrás e possuir um bom dinheiro em papéis da estatal sem mesmo saber sobre esses recursos. É que muitos que compraram linhas de telefone fixo das companhias locais entre 1975 e 1995 tinham direito a ações da Telebrás, e podem ser acionistas da companhia até hoje, de acordo com alerta da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).

E este é o melhor momento para resgatar esses ativos negociados na BM&F Bovespa – Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo. Nos últimos meses, rumores mais intensos sobre a reativação da empresa, que atualmente existe apenas como pessoa jurídica, fizeram com que o papel da companhia registrasse uma expressiva valorização.

A ideia do governo seria retomar as atividades da estatal para a massificação da banda larga no país, permitindo que pessoas de baixa renda tenham acesso a internet com qualidade por um custo reduzido. No entanto, ainda não existe um pronunciamento oficial sobre o tema.

Valorização

Essa especulação refletiu positivamente nas ações da empresa, pelo menos por ora. Para se ter uma ideia, as ações preferenciais da Telebras apresentaram uma valorização de 221% em 2010 e, nos últimos 12 meses, acumulam alta de 703%. O papel encerrou 2009 cotado a R$ 0,75 e, de acordo com dados da Bolsa do último dia 1º deste mês, o papel atingiu a marca de R$ 2,40. Há exatamente um ano, no entanto, o papel valia R$ 0,30.

Em comunicado, a Pro Teste alerta que nem todos que adquiriram as linhas telefônicas entre 1975 e 1995 têm direito aos ativos. “Muitas pessoas receberam ações das próprias empresas de telefonia local e que muitas outras se desfizeram das ações. Por isso, não têm qualquer direito aos rendimentos fartos da empresa nos últimos tempos”, pondera.

Como localizar

Se você quer saber se é acionista ou não da Telebrás, vá a uma agência do Banco Real. Procurado, o Grupo Santander Brasil, agente escriturador das ações de emissão da Telebrás, informou que, para fazer a consulta, é preciso comparecer com o documento de identificação original – RG ou CPF e um comprovante de endereço.

Caso considere adequado, o acionista poderá enviar um representante com uma procuração pública especificando que o outorgado pode obter o extrato contendo a posição de ações de emissão da Telebrás.

De acordo com a instituição financeira, na agência “serão fornecidas informações quanto à situação das ações, ao recebimento de dividendos e juros sobre o capital próprio e demais movimentações que o acionista desejar realizar, tanto em relação à negociação dessas ações na Bolsa quanto ao resgate dos valores em questão”.

Para verificar a agência mais próxima e obter outras informações basta acessar o site do Banco Real. Ao lado, conheça a recomendação de investimento dos especialistas para os papéis da estatal.

Investidor deve manter os papéis, diz analista

Caso o consumidor descubra que ainda possui ações da Telebrás negociadas em bolsa, a recomendação é de manutenção dos papéis. As ações preferenciais da Telebras apresentaram valorização de 221% em 2010 e, nos últimos 12 meses, acumulam alta de 703% em função da proposta de revitalização da empresa. O futuro da empresa seria decidido em fevereiro, mas o presidente Luis Inácio Lula da Silva adiou a reunião para este mês. A expectativa do mercado é positiva para os papéis da Telebrás.

Porém, a analista de investimentos da SLW Corretora Rosangela Ribeiro alerta que existe o risco de uma má notícia derrubar o valor dos ativos. Assim o preço do papel pode voltar ao valor originalmente negociado – ou seja, R$ 0,75 cada. Atualmente a ação está cotada a R$ 2,40. “É um ganho muito expressivo, então o risco de subir 30% ou 40% justifica o risco de perder o que já ganhou. Por esta razão, seria interessante segurar os papéis e esperar o momento ideal para venda”.

Por admin • mar 8th, 2010 • Categoria: Seu Bolso
http://www.jornalcash.com.br/?p=1460.

22/02/2012

Mudança unilateral de contrato de seguro de vida de idoso ofende boa-fé

A 2ª Câmara Cível do TJ/CE determinou que a Sul América Seguros de Vida e Previdência mantenha o contrato de seguro de vida do idoso J.S.C.

Ele explicou ter firmado o contrato em 1979 e, em 2006, recebeu correspondência da empresa informando que o documento não seria renovado nos mesmos termos. Afirmou que a seguradora ofereceu outras três opções, que deveriam ser escolhidas no prazo máximo de 90 dias, sob pena de extinção do acordo.

Sentindo-se prejudicado, ajuizou ação requerendo a manutenção do seguro. Em junho de 2006, o juízo da 26ª vara Cível do Fórum Clóvis Beviláqua concedeu o pedido. A Sul América recorreu ao TJ/CE. Na apelação, classificou a decisão como "equivocada" e disse que não praticou conduta abusiva. Ressaltou que "é como se não existisse no ordenamento jurídico disposição legal que fundamentasse a temporalidade da contratação", sustentando o direito da empresa em não renovar o contrato.

A 2ª Câmara Cível, ao analisar o caso, manteve a sentença de 1º grau. "Se observa a intenção da seguradora em modificar unilateralmente o contrato original, aumentando o valor do prêmio, sem a necessária contraprestação equivalente, caracterizando ofensa ao princípio da boa-fé", destacou a desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, relatora do processo.

A magistrada entendeu não ser razoável a rescisão do contrato, "ainda mais agora que o segurado encontra-se em idade avançada, tornando-se muito mais difícil a contratação de um novo seguro".

•Processo: 26162-80.2006.8.06.0001/1
 
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Seguro de vida - Avanço da idade não pode gerar renovação de seguro com preço maior

A 1ª câmara de Direito Civil do TJ/SC reformou sentença da comarca de Indaial, para conceder o direito de manutenção de contrato de seguro de vida a C.G.S.. A Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A não permitiu a renovação do contrato que vigorava fazia anos, em virtude da idade avançada de G. e, também, porque os valores que o segurado honrava mensalmente já não interessavam à empresa.

Na 1ª instância, o segurado não obteve êxito e apelou para reapresentar seu pleito, que foi integralmente atendido no Tribunal. O desembargador Carlos Prudêncio, relator do recurso, anotou que as seguradoras têm usado a prática de aventar vantagens, "inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada", mas, passados alguns anos, impõem cláusulas muito mais onerosas ao consumidor.

O magistrado acrescentou que este costume "deve ser coibido pelo Judiciário, [...] mormente quando o desequilíbrio tem como causa a elevação da faixa etária dos contratantes, em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva e ao disposto no artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor." A câmara entendeu, ainda, que contratos de trato sucessivo - com pagamento mês a mês - são únicos, uma vez que criam no segurado a expectativa de continuidade do negócio jurídico.


Apelação Cível n. 2008.043168-7, de Indaial

Relator: Des. Carlos Prudêncio

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. RENOVAÇÃO ANUAL AUTOMÁTICA. RECUSA DA RENOVAÇÃO APÓS LONGO PERÍODO DE CONTRATAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DO SEGURADO DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO. RESILIÇÃO UNILATERAL. "É reprovável a prática utilizada por muitas seguradoras consistente em atrair o consumidor com diversas vantagens, inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada e, passados alguns anos, verificar-se a imposição da renovação do contrato mediante a aceitação de cláusulas muito mais onerosas ao consumidor." (AC n. 2004.027532-4, de Blumenau, rel. Des. Joel Dias Figueira, DJ 10-4-2007).

DESINTERESSE NA CONTINUIDADE DA AVENÇA EM RAZÃO DA IDADE ATINGIDA PELO SEGURADO. INADMISSIBILIDADE. PROPOSTA RENOVATÓRIA EM CONDIÇÕES MAIS DESVANTAJOSAS. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL.

"Deve ser coibida pelo judiciário a prática comumente utlizada pelas companhias seguradoras de recusarem-se a renovar os contratos de seguro de vida ao fundamento de desequilíbrio econômico-financeiro, mormente quando o desequilíbrio tem como causa a elevação da faixa etária dos contratantes, em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva e ao disposto no artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor" (AI 2007.037728-7 Rel: Des. Fernando Carioni - DJ de 17-2-2007).

DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. RECURSO PROVIDO.

Sabe-se que o que rege e norteia o ordenamento jurídico são os princípios insculpidos na Carta Magna, de modo que, jamais o interesse friamente contratual das partes pode exceder os limites impostos pelos princípios que resguardam o bem estar social e o equilíbrio das relações jurídicas, tal como os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. Os contratos com característica de trato sucessivo devem ter cunho de pacto único, uma vez que criam no contratante/segurado a expectativa de continuidade do negócio jurídico.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.043168-7, da comarca de Indaial (2ª Vara), em que é apelante C.G.S., e apelado Sul América Seguros de Vida e Previdência S.A.: ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Adoto relatório de fls. 301 e 302, acrescento que o Juiz de Direito Dr. Elleston Lissandro Canali julgou improcedente os pedidos formulados na ação de manutenção de contrato de seguro de vida combinada com obrigação de fazer e pedido de antecipação de tutela, condenando o vencido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15 % sobre o valor da causa.

Inconformado, C.G.S. apela, argumentando que:

a) a não renovação contratual por parte da seguradora é abusiva; e b) o contrato de seguro não pode sofrer qualquer variação conforme a idade do segurado.

Sul América Seguros de Vida e Previdência S.A. apresenta contra-razões alegando a) há previsão contratual para a readequação de valores do prêmio e da apólice, conforme a idade do segurado; b) não houve qualquer prejuízo ao consumidor; e c) a renovação do contrato se deu pelas vias legais, com previsão expressa no contrato.

Após, os autos subiram a esta Superior Instância.

VOTO

Trata-se de ação ordinária de manutenção de contrato de seguro de vida c/c de obrigação de fazer e tutela antecipada, demandada pelo autor em razão da negativa da ré em renovar seu seguro de vida, nas mesmas condições pelos índices previstos no contrato, somando a este valor uma majoração embasada em suposta taxa cuja fórmula é desconhecida pelo autor e o coloca em desequilíbrio contratual para com a empresa ré, vez que só poderia obter renovação de seu seguro caso se submetesse a adimplir as prestações impostas por tal cálculo, o que, por consequência, o deixou desamparado e sem vigência o aludido contrato. Sentenciando, o Dr. Elleston Lissandro Canali, Juiz de Direito de Indaial, julgou improcedentes os pedidos feitos na inicial e condenou o vencido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa.

Preambularmente, faz-se necessário reconhecer, desde logo, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações securitárias, tendo em vista que a aludida atividade se enquadra no conceito de serviço, onde a seguradora é a prestadora, conforme artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, e o segurado consumidor.

Colhe-se dos autos que em 13-09-2003 (fl. 16) o recorrente pactuou contrato de seguro de vida com a recorrida. Ano após ano, este vinha sendo renovado automaticamente, até que, em agosto de 2006, o apelante recebeu correspondência (fl. 17) na qual a Seguradora-apelada manifestava a vontade de reajustar os termos contratuais e alterar os valores da apólice conforme a faixa etária do segurado, sob pena de não mais proceder a renovação automática das condições anteriormente pactuadas.

Não obstante, não merecem guarida as razões levantadas pela seguradora, isso porque percebe-se que a majoração praticada pela empresa ré além de ter caráter abusivo, mostra-se como evidente manobra para compelir o recorrente a escolher um dos dois caminhos: ou se submete ao valor abusivo, ou aceita passivamente a rescisão do contrato, tornando-se "uma preocupação a menos" para a companhia seguradora.

Logo, a ré esquiva-se de sua responsabilidade sócio-contratual utilizando o subterfúgio de que se trata de uma empresa que preza pela liberdade contratual de seus segurados e pela livre concorrência.

Ademais, ao afirmar que durante anos o contrato foi renovado sucessivamente, admite a seguradora que gerava no autor uma expectativa de renovação sem maiores complicações, razão pela qual o mesmo jamais procurou outra empresa para substituir a ora ré.

Nessa toada, nítidamente perceptível que o autor/apelado escorava-se no sentimento de segurança que a ré lhe transmitia para renovar ao longo dos anos seu seguro, não imaginando que, em determinado momento, se veria impedido de renovar sua apólice e estivesse desamparado em meio a um mercado que trata os idosos como "risco iminente de perdas financeiras", e não como seres humanos que merecem dignidade mormente nessa fase da vida.

Nesse diapasão, já se manifestou esta Primeira Câmara de Direito Civil, firmando posicionamento no sentido de que "é reprovável a prática utilizada por muitas seguradoras consistente em atrair o consumidor com diversas vantagens, inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada e, passados alguns anos, verificar-se a imposição da renovação do contrato mediante a aceitação de cláusulas muito mais onerosas ao consumidor. (AC n. 2004.027532-4, Rel. Des. Joel Figueira Junior, DJ de 10-4-2007).

Ora, foi exatamente o que ocorreu no caso em apreço, já que a seguradora-apelada, de fato, tentou suprimir direitos do consumidor e de sua dependente, senão vejamos (fl. 17):

Observado o término de vigência da sua apólice coletiva nos termos da regulamentação, será respeitado integralmente o conteúdo do seguro atual sem qualquer modificação.

Tendo em vista a existência de um ou mais dependentes no seu contrato atual e a impossibilidade de manutenção dessa mesma estrutura no novo seguro oferecido, será permitida somente a inscrição do seu cônjuge no novo seguro, exclusivamente para a cobertura de morte.

Assim, supridas algumas coberturas e o valor das parcelas encarecido sobremaneira, vislumbra-se que os princípios de harmoniosidade, boa-fé objetiva, igualdade, vulnerabilidade e hipossuficiência do segurado sofreram flagrantes abalos, à luz do Código de Defesa do Consumidor.

Ou seja, a seguradora ré desrespeita a boa-fé contratual, ignora a função social do contrato e, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana sob argumentos constitucionais previstos no Art. 5, inciso II, e 170 inciso IV da CRFB/88.

Sabe-se que o que rege e norteia o ordenamento jurídico são os princípios insculpidos na Carta Magna, de modo que jamais o interesse friamente contratual das partes pode exceder os limites impostos pelos princípios que resguardam o bem estar social e o equilíbrio das relações jurídicas.

No que tange à função social do contrato e ao princípio da boa fé dos contratantes, vale consignar que "O Direito Contratual, tem seus fundamentos questionados sob o ângulo coletivo, não mais como algo cuja relevância diz respeito somente às partes, porque se assim fosse, o Direito admitiria como instrumento de opressão se partisse da falsa premissa de igualdade entre os contratantes. (...) os contratos passam a ter relevância coletiva porque todo e qualquer instituto jurídico há de desempenhar a sua função social". (Rogério Zuel Gomes 'in' Teoria Contratual Contemporânea, Função Social do Contrato e Boa-fé – 2004/87)

Na mesma obra, o autor acima mencionado assevera, no que pertine à boa-fé na relação contratual, que "uma vez estabelecido o vinculo contratual, surgem os deveres contratuais anexos que se relacionam ao cumprimento daquilo que foi pactuado. O dever de informação continua presente nessa fase. Entretanto, a ele se soma o dever de cooperação, baseado em conduta leal e transparente". (2004/165)

Ciente dessa vulnerabilidade do consumidor diante das tratativas comerciais, o Código de Defesa do Consumidor elaborou uma série de mecanismos aptos a preservar o equilíbrio mínimo entre as partes.

Nesse contexto, impõe-se a observância durante todo o período contratual ao "princípio da boa-fé objetiva", recepcionado pelo art. 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor, no intuito de regular a conduta dos contratantes, inibindo práticas abusivas:

Art. 4º A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;


Segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes, "a boa-fé objetiva pode ser definida como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças" (in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Direito material (arts. 1º-54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 107).

O Código Civil, por sua vez, recepcionou o princípio da boa-fé objetiva nos contratos de seguro, estabelecendo em seu art. 765 que "o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".

Salienta-se que tal preceito decorre do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo disposto no art. 1º, III, da CF/1988, que pode ser traduzido no respeito e proteção ao ser humano como objetivo central de todo ordenamento jurídico.

Diante disso, o contrato passa a ser regulado em toda a sua extensão, vinculando as partes não somente no momento de sua celebração, mas desde a fase de negociação, durante a sua execução e até mesmo após o término de sua vigência.

Eis a redação do artigo 51 da Lei n. 8.078/1991:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Nesse diapasão, não se nega a possibilidade de rescisão do contrato, bem como a não-renovação da apólice; contudo, deve ser coibido o uso da cláusula contratual que autoriza a não-renovação automática quando se pretende majorar o valor do prêmio pelo fato da elevação da faixa etária dos segurados, como presumivelmente aconteceu no caso em questão.

Baseado nos preceitos antes mencionados, da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva e no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, mostra-se injusta a recusa em renovar o contrato em tela, mormente em razão de que o contrato vinha sendo renovado durante anos.

Portanto, à vista das circunstâncias apresentadas, tratando-se de contrato adesivo, bem como pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se a manutenção do contrato nos termos avençados.

Frise-se que o segurado renovou ininterruptamente o contrato por vários anos e, em virtude da elevação da idade dos segurados ou mudanças demográficas e atuariais do setor, foi surpreendido com a comunicação de que o contrato não mais seria renovado, sem nenhuma justificativa plausível, demonstrando inequivocamente a ilegalidade perpetrada.

Por oportuno, é o entendimento deste Tribunal de Justiça:

Ainda que inexista norma legal que proíba a resolução unilateral do contrato de seguro de vida, é lícito ao julgador, sobretudo em situações excepcionais que possam colocar o consumidor em posição deveras desvantajosa, valer-se da analogia a fim de assegurar o equilíbrio das partes e de dar prestígio à boa-fé objetiva, à dignidade humana e à função social do negócio jurídico entabulado. Neste norte, aparenta-se possível, em tese, que a análise judicial da questão absorva a mens legis posta nos artigos 14 e 15 da Lei n.º 9.656/98, que trata dos planos e seguros privados de assistência à saúde, no sentido de garantir ao segurado, como alternativa ao contrato anterior, a disponibilização de propostas viáveis e razoáveis, mesmo que estas não venham a desprezar a sua idade avançada (AC n. 2007.041287-3, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, DJ de 30-10-2007).

Precedentes: AC n. 2004.027564-7, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, DJ de 2-10-2007; e AC n. 2005.041042-6, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben , DJ de 31-5-2007; AI n. 2008.069882-3, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, DJ de 21-11-2008; AC n. 2008.078411-7, Rel. Des. Fernando Carioni, DJ de 19-3-2009.

Nesse ínterim, não resta outra alternativa ao caso em apreço senão determinar que a seguradora apelada renove a apólice VG n. 2233, Apólice APC n. 2234, Certificado de Seguro n. 127103, na forma anteriormente pactuada, mantendo-os sem qualquer aumento em decorrência da idade do segurado, emitindo novo certificado individual de seguro de vida ao requerente com novos carnês de pagamento, com valores devidamente atualizados pelos índices de correção monetária, invertendo-se o ônus sucumbencial.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

Participaram do julgamento, realizado no dia 5 de julho de 2011, a Exma. Sra. Desembargadora Denise Volpato e o Exmo. Sr. Desembargador Saul Steil.

Florianópolis, 9 de agosto de 2011.

Des. CARLOS PRUDÊNCIO

Presidente e Relator





TJ/SP publica oito novas súmulas

A presidência da Corte paulista publicou, na edição 1.123 do Diário da Justiça eletrônico do Estado de SP, oito novas súmulas aprovadas pelo Colendo Órgão Especial, nos termos do artigo 188, §§ 3º e 4º, do regimento interno.

Os novos enunciados tratam de cirurgia plástica no tratamento de obesidade mórbida, serviços de home care, implantação de stent em cirurgia cardíaca/vascular, reajuste de mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária, custeio de medicamentos no tratamento quimioterápico, entre outros.


As jurisprudências divulgadas são:

Súmula 90
Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer.

Súmula 91
Ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária.

Súmula 92
É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário (súmula 302 do STJ).

Súmula 93
A implantação de stent é ato inerente à cirurgia cardíaca/vascular, sendo abusiva a negativa de sua cobertura, ainda que o contrato seja anterior à lei 9.656/98.

Súmula 94
A falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro de saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias para purga da mora.

Súmula 95
Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.

Súmula 96
Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.

Súmula 97
Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica.


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Esta matéria foi colocada no ar originalmente em 13 de fevereiro de 2012.
ISSN 1983-392X



06/02/2012

decisão favorável - contra reajuste das mensalidades do plano de saude a pessoas acima de 60 anos

Vistos: Cuida-se de ação declaratória de nulidade de cláusula contratual com pedido de antecipação de tutela, aforada por A. B. contra AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL. Sustentou o autor, em síntese, que, em 30/06/1993, as partes firmaram contrato de prestação de serviços médico-hospitalares e que atualmente conta com 65 anos de idade e consta do contrato, como beneficiária M. L. B. B. No entanto, alegou a prática de reajustes abusivos pela ré, em razão da alteração de faixa etária. Destacou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, da Lei nº. 9656/98 e do Estatuto do Idoso ao contrato em questão. Por tais fundamentos, postulou pela concessão de tutela antecipada e procedência da ação para que seja declarada a nulidade da cláusula contratual que prevê o reajuste da mensalidade por alteração de faixa etária, reconhecendo-se sua abusividade, com reflexos nos demais aumentos anuais. A inicial veio instruída com documentos (fls. 34/65). A tutela antecipada foi deferida (fl.78), para determinar que a ré mantenha o valor da mensalidade dos autores, no equivalente a R$1.558,41, bem como a prestação de serviços, até decisão em contrário, sob pena de multa.
Regularmente citada, a ré apresentou contestação (fls.88/93), postulando pela improcedência do pedido, argumentando, em resumo, que o autor tinha conhecimento dos reajustes aplicados. Sustentou, assim, a regularidade dos reajustes questionados pelo autor, bem como que o contrato celebrado entre as partes é ato jurídico perfeito e acabado. Por fim, fez alusão aos índices de reajustes anuais desde 2004 aplicáveis ao contrato do autor, que é antigo, isto é, anterior à Lei nº. 9656/98.
Por despacho (fl.107), houve determinação para que a requerida informasse se emitiu novos boletos para pagamento, quedando-se inerte. Houve réplica (fls.110/132).
É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Passo ao julgamento antecipado da lide, visto que a questão posta a desate encerra matéria eminentemente de direito, mostrando-se, de outro lado, desnecessária a produção de outras provas considerando o teor da documentação carreada aos autos, bem assim os limites da controvérsia instaurada (artigo 330, inciso I, do CPC). Com efeito, verifica-se da documentação carreada aos autos, que as partes firmaram contrato de seguro de assistência médico-hospitalar e quando o beneficiário atingiu 65 anos de idade, houve incidência de reajuste em razão da mudança de faixa etária, passando o valor desta de R$1.558,41 para R$2.011,90, a partir de outubro de 2011. No que toca à majoração aplicada em virtude da alteração da faixa etária, não obstante a expressa previsão contratual, a jurisprudência vem entendendo que é abusiva no período questionado nos autos (pessoa maior de 60 anos de idade), por contrariar o artigo 15, § 1º da Lei nº. 9656/98 e o artigo 15, § 3º do Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741/2003). Averbe-se que o Estatuto do Idoso, como norma de ordem pública, deve ser aplicado mesmo para os contratos celebrados anteriormente a sua entrada em vigência, observando-se que na hipótese o autor tornou-se idoso na vigência do contrato em análise. Confira: “Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação revisional de contrato de plano de saúde. Reajuste em decorrência de mudança de faixa etária. Estatuto do idoso. Vedada a discriminação em razão da idade. - O Estatuto do Idoso veda a discriminação da pessoa idosa com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, § 3º). - Se o implemento da idade, que confere à pessoa a condição jurídica de idosa, realizou-se sob a égide do Estatuto do Idoso, não estará o consumidor usuário do plano de saúde sujeito ao reajuste estipulado no contrato, por mudança de faixa etária. - A previsão de reajuste contida na cláusula depende de um elemento básico prescrito na lei e o contrato só poderá operar seus efeitos no tocante à majoração das mensalidades do plano de saúde, quando satisfeita a condição contratual e legal, qual seja, o implemento da idade de 60 anos. - Enquanto o contratante não atinge o patamar etário preestabelecido, os efeitos da cláusula permanecem condicionados a evento futuro e incerto, não se caracterizando o ato jurídico perfeito, tampouco se configurando o direito adquirido da empresa seguradora, qual seja, de receber os valores de acordo com o reajuste predefinido. - Apenas como reforço argumentativo, porquanto não prequestionada a matéria jurídica, ressalte-se que o art. 15 da Lei nº. 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos. - E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei nº. 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei nº 9.656/98). - Sob tal encadeamento lógico, o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230. - A abusividade na variação das contraprestações pecuniárias deverá ser aferida em cada caso concreto, diante dos elementos que o Tribunal de origem dispuser. - Por fim, destaque-se que não se está aqui alçando o idoso a condição que o coloque à margem do sistema privado de planos de assistência à saúde, porquanto estará ele sujeito a todo o regramento emanado em lei e decorrente das estipulações em contratos que entabular, ressalvada a constatação de abusividade que, como em qualquer contrato de consumo que busca primordialmente o equilíbrio entre as partes, restará afastada por norma de ordem pública. Recurso especial não conhecido” (STJ, Resp. 809329, DJ de 11.4.08, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI). Desta feita, conclui-se que são abusivas as cláusulas contratuais que estabelecem o reajuste de mudança de faixa etária para beneficiários completam mais de 60 anos e, consequentemente, da majoração da mensalidade aplicada no percentual de 32,91%, a qual gerou reflexos, também, nas mensalidades posteriores. Noutra vertente, relevante destacar que reajuste anual aplicado às mensalidades quando do aniversário da apólice não é abusivo, desde que reflita o percentual autorizado pela ANS.
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE o pedido, para declarar nulas as cláusulas contratuais que dispõe sobre o aumento do valor da mensalidade em razão da mudança de faixa etária para pessoas maiores de 60 anos, bem como abusivos o reajuste cobrados nas mensalidades com base nas citadas cláusulas a partir de outubro de 2011. Outrossim, determino que a ré providencie a exclusão dos reajustes praticados nas mensalidades vincendas e, ante a necessidade de retornar às partes ao estado anterior, a devolução dos valores a maior cobrados por conta da majoração ora declarada abusiva, corrigidos monetariamente a partir do desembolso e com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Julgo, pois, extinto o feito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, tornando-se definitiva a tutela anteriormente concedida. Em razão da sucumbência operada, condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00, nos termos do artigo 20, §4º, do CPC. Cumpra a serventia o determinado no item 1, da decisão de fl.78, anotando-se. P.R.I. São Paulo, 26 de janeiro 2012. (Proc 2011/197503). (OBS: decisão sujeira a recurso).

02/02/2012

DECISÃO FAVORÁVEL - DESCONTO INDEVIDO EM BENEFICIO DO INSS POR DÍVIDA NÃO CONTRAIDA PELA APOSENTADA

Declaratória (em geral) -Vistos. G. H. D. T. ajuizou ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Indenização por Danos Materiais e Morais em face de BANCO BMG S.A. e FINANSER CONSULTORIA FINANCEIRA. Afirma que é aposentada do INSS e recebe seu benefício em conta-corrente do banco BMG, constatando que faltava R$ 135,31 ao tempo do recebimento. Procurou o gerente do banco e descobriu que se tratava de desconto proveniente da segunda-ré, fruto de empréstimo consignado, dívida que não contraiu e lhe é desconhecida. Na conseguindo solucionar o impasse, busca seja declarada a inexistência de relação jurídica entre as partes, com dever de devolução das parcelas descontadas indevidamente de sua conta-corrente e diante do comportamento das rés, sejam condenadas a indenizar os danos morais que lhe causaram, estimados no dobro do valor dos descontos, de R$ 8.278,38. Em antecipação da tutela requer a imediata cessação dos descontos em sua conta-corrente. Juntou documentos. Relegada a apreciação do pedido de antecipação da tutela para momento subseqüente à contestação, as rés foram citadas e apenas o BANCO BMG contestou. Diz que em seu sistema encontrou uma proposta de contrato sob nº 214639871, com desconto do valor de R$ 135,31, reconhecendo sua irregularidade e o dever de ressarcimento à autora. Refuta a pretensão de repetição em dobro, afastando sua má-fé, visto que reconhece a falha e o dever de restituição. Também refuta a ocorrência de ilícito e danos morais indenizáveis, buscando a improcedência da ação. Nova manifestação da autora a fls. 47/56.

É O RELATÓRIO. DECIDO. Desnecessária a dilação probatória, pois a matéria versada nestes autos é exclusivamente de direito, autorizando o julgamento antecipado da lide. É incontroverso que a autora não manteve relação negocial com a empresa FINANSER CONSULTORIA FINANCEIRA e tampouco autorizou a dedução de prestações de empréstimo em sua conta-corrente junto ao Banco BMG e por meio de consignação em benefício pago pelo INSS. O próprio banco admitiu que houve falha, razão pela qual deve ser acolhida a pretensão de declaração de inexistência do contrato e conseqüente cessação dos descontos em conta-corrente onde são feitos os depósitos da aposentadoria. Embora o banco tenha afirmado que já providenciou o cancelamento, na medida em que não há prova de que foi solicitado ao INSS a cessação dos descontos, conforme extrato de fls. 18, determino seja oficiado para esse fim. Os valores descontados devem ser restituídos, atualizados monetariamente dos desembolsos e acrescidos de juros de mora legais da citação. Não se justifica a devolução em dobro, pois não há prova de má-fé ou malícia do banco na realização dos descontos, mas mera falha administrativa, de modo que deve ser afastada a penalidade do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.
Veja a respeito: "AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ. PRECEDENTES. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da consolidada jurisprudência desta Corte, a devolução em dobro do valor indevidamente recebido depende da constatação da má-fé, dolo ou malícia por parte do credor. 2. Para se modificar a conclusão do Tribunal de origem, no sentido de inexistência de má-fé, dolo ou malícia, seria necessário o reexame de provas, providência vedada pelo óbice da Súmula 07/STJ. 3. Para a análise da admissibilidade do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente, o que não ocorreu no presente caso. 4. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1190608/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª. Turma, j. em 18/10/2011, DJe 26/10/2011)
Quanto aos danos morais, devem ser acolhidos. O banco não trouxe qualquer justificativa à realização dos descontos e na medida em que reconheceu a falha, não há como se afastar o dever de indenização, fundado no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, não afastado pela subseqüente adoção de providências para minimizar os prejuízos da autora, o que apenas deve ser considerado para efeito da quantificação da indenização.
É o entendimento da jurisprudência: "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - Contrato de empréstimo consignado firmado por estelionatário em nome do autor, utilizando-se de dados falsos e documentos falsificados - Descontos efetuados na aposentadoria por invalidez recebida pela vítima - Ausência de cautela da instituição financeira na verificação da veracidade dos documentos e da identidade do emitente dos títulos - Responsabilidade objetiva do Banco pelos danos sofridos pelo autor - Consumidor equiparado - Danos materiais consistentes nos descontos indevidos, cujo valor deve ser restituído ao autor, corrigido e acrescido de juros moratórios - Dano moral correspondente à situação aflitiva pela qual passou o autor, aposentado, ao se ver privado de parcela significativa da aposentadoria, por período considerável - Indenização por dano moral fixada no valor módico de R$ 3.000,00, e majorada para R$15.000,00 que bem cumpre as funções punitiva e compensatória da indenização, sem servir de enriquecimento ao autor - Recurso da ré improvido - Recurso do autor provido" (...). Patente a situação de aflição pela qual passou a autora, pois diante de uma renda de apenas R$ 1682,94, sofreu desconto não autorizado de R$ 135,31, hábil a afetar suas necessidades básicas, causando desconforto, intranqüilidade, abalo psicológico. Não se trata de mero dissabor, pois foi afetado o direito fundamental da pessoa à existência e sobrevivência dignas.
Assim, considerando os parâmetros que devem nortear o arbitramento da indenização: intensidade do dano sofrido pela parte, sua condição financeira e a do réu, o propósito didático da penalidade, a natureza do fato causador do dano, o comportamento do banco após a identificação da fraude, situações que aprecio para fixar a indenização no montante de R$ 8.000,00, atualizados monetariamente desta sentença e acrescidos de juros de mora legais a partir deste arbitramento, momento em que fixado o valor da dívida, a teor do artigo 407 do Código Civil. Nesse sentido: STJ, REsp 903258, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª. Turma, j. 30.6.2011.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a ação, declarando a inexistência de relação jurídica entre as partes e condenando BANCO BMG S/A e FINANSER CONSULTORIA FINANCEIRA a: a) devolver os valores descontados em conta-corrente, de forma simples, atualizados monetariamente dos desembolsos e acrescidos de juros de mora legais da citação; b) indenizar danos morais arbitrados em R$ 8.000,00, atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora legais deste arbitramento. Considerando a pequena sucumbência da autora, restrita à repetição em dobro, responderá a ré por 80% das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação. Em que pese a afirmação de cessação dos descontos, "ad cautelam", acolho o pedido de antecipação da tutela para determinar a imediata cessação dos descontos das prestações de R$ 135,31 da conta-corrente da autora junto ao Banco BMG, por presentes a prova inequívoca capaz de convencer quanto à verossimilhança dos fatos alegados e receio de dano de difícil reparação. P.R.I.C. Oficie-se ao INSS com cópia da sentença e do documento de fls. 18 para cessação dos descontos de R$ 135,31 do benefício da autora. São Paulo, 26 de janeiro de 2.012. (Proc 2011/190937 - OBS: decisão sujeita a Recurso)

01/02/2012

DECISÃO FAVORÁVEL CONTRA FABRICANTE E CONCESSIONÁRIA DE VEICULOS POR PRODUTO DEFEITUOSO

....qualificado nos autos, alega em síntese, que adquiriu em 26.02.2001 veículo SIENA 0 (zero) quilômetro junto à ré AMAZONAS LESTE, veículo este de fabricação da ré FIAT, tendo saído da loja em 06.03.01. Aponta que em 2007, ao tentar trocar o veículo no mercado, descobriu que o veículo apresentava vício oculto não percebido pelo autor, consistente em motor adulterado, com discrepância da numeração do chassi do motor em relação à documentação do veículo. Alega, ainda, que suspeitaram do autor, pondo em dúvida a procedência do veículo, pois poderia ser roubado, motivo pelo qual cancelaram o negócio de troca de veículos. Aponta constrangimento decorrente, além do fato de que a parte ré se quedou inerte a respeito do problema, apesar de notificada extrajudicialmente. Pretende, assim, indenização por danos morais, por ato ilícito e responsabilidade da fabricante, invocando o Código de Defesa do Consumidor e postulando a inversão do ônus da prova em seu favor. Postulou liminar para regularizar a numeração do veículo no DETRAN. A liminar não foi concedida (fls. 180).

CONTESTANDO, a ré AMAZONAS LESTE alegou, em síntese: 1) inépcia; 2) impossibilidade jurídica do pedido, vez que incabível autorização para alteração da documentação no DETRAN; no mérito, aponta: 3) falta de responsabilidade, vez que inexigível a conduta de controle do número do motor à época da compra e venda do veículo (2001), o que só passou a ser exigido a partir de agosto/2006, pela vigência da Resolução CONTRAN 199; 4) falta de responsabilidade, pois não fabrica o veículo, nem grava número no chassi e motor dos veículos; 5) inferiu que o autor pode ter trocado o motor do automóvel, tendo em vista o tempo de uso do veículo, daí decorrendo culpa do autor. 6) impugna a ocorrência de danos morais e do dever de indenizar.

CONTESTANDO, a FIAT (fls. 113/131) alegou, em síntese: 1) inépcia; 2) infere equívoco da concessionária ao lançar a numeração errada do chassi do motor na Nota Fiscal de Saída (fl.120); 3)nega vício de fábrica; 4) infere que o autor tenha substituído o motor do veículo; 5) impugna a ocorrência de danos e o dever de indenizar.

Houve réplica. Decisão de fls. 180/181: 1) negou a liminar; 2) afastou as preliminares de inépcia e carência; 3) determinou prova pericial. LAUDO PERICIAL às fls. 229/260, complementado às fls. 290/313 e fls. 334/347, após impugnação da parte ré. Dispensada a prova oral (fls 363), seguiram-se memoriais escritos das partes.

É o relato do essencial. D E C I D O. Como já apontado na decisão de fls. 363. o laudo pericial e suas complementações são suficientes para dirimir as questões suscitadas, sendo desnecessária a produção da prova oral postulada nos autos. Preliminares já afastadas na decisão de fls. 180/181, a que me reporto. A ação é procedente em face de ambas as rés. A perícia realizada comprovou que o MOTOR do veículo SIENA ELX, placas DCD-4288, adquirido pelo autor perante a concessionária AMAZONAS LESTE, de fabricação da ré FIAT, de fato teve seu motor trocado NA FÁBRICA, na linha de montagem (LAUDO PERICIAL - fls. 238). O motor que deveria ter sido colocado no veículo do autor foi colocado em outro veículo, localizado em GOIÂNIA-GO (LAUDO - fls. 236). Com apurado na perícia, o motor que deveria ter a numeração 5049119 gravada no chassi foi parar no veículo de GOIÂNIA-GO, também de fabricação da ré FIAT, por erro na linha de montagem, tendo sido colocado no veículo do autor o motor de numeração 5034651, que deveria pertencer a outro veículo (LAUDO PERICIAL - fls. 229/260, complementado às fls. 290/313 e 334/347). Evidenciou-se, assim, vício oculto do produto, apurado pelo autor apenas no momento em que buscou permutar o veículo, tendo sido sua proposta permuta recusada, conforme documentação de fls. 17, 20 e 22, impingindo ao autor suspeitas quanto à procedência e legalidade do veículo - suspeita de adulteração, conforme fls. 17. Como apurado na PERÍCIA, o problema inicial foi da linha de montagem da FIAT, com a colocação de motor que não pertencia ao veículo correspondente ao do autor. Inequívoca, assim, a responsabilidade da fabricante FIAT na forma do art. 12, §1º, do Código do Consumidor, vez que defeituoso o produto, especialmente quando à segura identificação do veículo para segurança jurídica da procedência do veículo. Além disso, evidencia-se negligência tanto da fabricante FIAT, quanto da concessionária AMAZONAS LESTE, ao constar tanto na documentação saída do veículo da fábrica (fls. 62), quanto na nota fiscal de venda (fls.16) o número ERRADO do MOTOR, número este que não correspondia àquele que se encontrava no interior do veículo adquirido pelo consumidor. Repita-se: na documentação expedida pela FIAT (fls. 62) e repetida pela AMAZONAS (fls. 16) constava número do motor como sendo 5049119, quando na verdade o motor que estava no veículo do autor era de número 5034651, conforme perícia apurou (LAUDO PERICIAL - fls. 229/260, complementado às fls. 290/313 e 334/347). Irrelevante que a ré AMAZONAS LESTE não estivesse adstrita a norma administrativa do CONTRAN ou DENATRAN ou ainda DETRAN (tal como a referida na Resolução 199/2006) para referir o número correto do motor na nota fiscal de venda ao consumidor. Houve negligência em conferir a numeração do número do motor que efetivamente constava do veículo do autor, o que poderia ter evitado que a suspeita de adulteração do chassi do motor recaísse sobre o autor (fls. 17). Isto porque, com base nos documentos de fls. 16 e 62, gerou-se a documentação do DETRAN, mas que não correspondia ao número do motor que se encontra no interior do veículo do autor. Ainda como como apurado em perícia, não houve troca ou substituição do motor pelo autor, como insinuaram as rés em suas respostas, dando a entender que o autor age de má-fé para obter o lucro fácil. Não há como reconhecer culpa exclusiva do autor e de terceiro, ao contrário do sustentado pela verve defensiva. Impõe-se, por isso, a condenação de ambas as rés a ressarcirem solidariamente os dissabores morais causados ao autor, notadamente pela suspeita que recaiu sobre o autor quanto à procedência do veículo, além do forçoso acolhimento do pedido endereçado ao DETRAN para regularização da documentação do veículo do autor, onde deve constar corretamente o número do motor que se encontra no automóvel.
Para a indenização por danos morais, entendo justa a condenação solidária de ambas as rés ao pagamento de R$50.000,00, considerando a demora na solução da pendenga, já que ambas as rés apostam na litigância e demora judicial, ao invés do respeito ao consumidor e a seus direitos. Quanto às impugnações ao laudo pericial, não podem ser acolhidas, considerando que o Sr. Perito, ao respondê-las, acabou ratificando as conclusões periciais, sendo certo que não foram as impugnações formuladas por profissional tecnicamente habilitado na área da perícia. É o que basta para o deslinde.
Isto posto, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para o fim de: I - CONDENAR ambas as rés, FIAT AUTOMÓVEIS S/A e AMAZONAS LESTE LTDA, solidariamente a PAGAREM ao autor G. P indenização por danos morais no importe de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigida monetariamente pela Tabela do Tribunal de Justiça a partir desta data (23 de janeiro de 2012), conforme Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça, acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406, do Código Civil/2002 c/c art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional), a contar do trânsito em julgado desta sentença ou da data da publicação do acórdão, do qual não caiba mais recurso com efeito suspensivo, quando então se torna exequível e exigível coativamente a indenização fixada. II - DETERMINAR EXPEDIÇÃO de OFÍCIO AO DETRAN de SÃO PAULO, para o fim de RETIFICAR o cadastro do veículo RENAVAM 753419785, FIAT SIENA ELX, placas DCD-4288-SP, para que nele conste o NÚMERO CORRETO do CHASSI do MOTOR que se encontra efetivamente no interior do veículo, a saber, número 5034651 (número CORRETO e EFETIVO), ao invés do que constou (chassi nº numeração 5049119 - ERRADA). III - Por força do princípio da sucumbência, CONDENO ambas as rés a pagarem à parte autora o reembolso de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que se fixam em 20% (vinte por cento) do valor atualizado da condenação, divididos "pro rata" (arts. 20, §3º c/c 23, do CPC).  Processo 008.07.114658-2 (OBS: decisão sujeita a recurso).