VISTOS.
R. F. S. J., qualificado nos
autos, ajuizou a presente ação, com pedido de tutela antecipada, contra BANCO SANTANDER
(BRASIL) S/A, pessoa jurídica também qualificada, alegando, em síntese, que é titular de conta
salário e foi surpreendido com a informação de que o adiantamento salarial
depositado por seu empregador em 15.04.2013 foi bloqueado integralmente pelo
réu, para pagamento de dívidas decorrentes
de outros contratos. Afirma que o réu está promovendo “resgate automático” de
seu salário, sem autorização, atitude que reputa abusiva, na forma do artigo 42
do CDC. Em decorrência disso, pretende a condenação do banco no pagamento de
indenização por danos morais no valor correspondente a vinte salários mínimos.
Pretende também que o réu se abstenha de promover novas retenções em seus
vencimentos.
A petição inicial veio
instruída com procuração e documentos
(fls. 31/48).
Os pedidos de tutela
antecipada e justiça gratuita foram deferidos a fls. 49/50.
Citado, o réu apresentou
contestação a fls. 60/82, alegando, preliminarmente, carência de ação, por
ausência de interesse de agir.
No mérito, sustentou a regularidade de sua
conduta, em razão da inadimplência do autor desde 31.01.2012. Afirmou que a
retenção não supera 30% de seus vencimentos líquidos e, portanto, admissível a
compensação dos créditos. Discorreu sobre o pacta sunt servanda e a boa-fé
contratual. Por fim, postulou a improcedência
dos pedidos e juntou documentos (fls. 83/91).
O réu noticiou
a interposição de
agravo de instrumento (fls.
93/108).
Réplica a fls. 110/135, com documentos (fls. 136/143).
Em atenção à
decisão de fls.
144, o autor
juntou documentos a fls. 146/156.
É O BREVE RELATÓRIO.
DECIDO.
JULGO ANTECIPADAMENTE O
PEDIDO, com fulcro no artigo 330, inciso
I, do CPC, tratando-se de matéria eminentemente de direito, que dispensa
dilação probatória. Neste sentido,
confira-se o entendimento
jurisprudencial: “Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina
a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da
realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto
e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório”
Afasto a matéria preliminar
ventilada em contestação, consistente em ausência de interesse processual. Com
efeito, a existência de débitos
pretéritos não impede o prosseguimento da demanda, Porque tem origem na prática
de ato ilícito pelo réu. Relembro, ademais, o conteúdo da Súmula 286 do STJ.
Superada a matéria preliminar,
no mérito, os pedidos são parcialmente procedentes.
Inicialmente, registro
que está configurada
a relação consumerista entre
as partes, pois o réu
é fornecedor de serviços, nos
exatos termos do artigo 3º, §2º,
da Lei 8.078/90. Desta forma, responde objetivamente por
danos causados aos
consumidores em razão
de defeitos na
prestação do serviço
(artigos 14 e 20, §2º), bastando ao prejudicado a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do fornecedor e
o dano suportado, sem qualquer exame
acerca da culpa (em sentido lato).
Como consabido,
“aquele que, por
ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano
a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato
ilícito” (artigo 186 do Novo
Código Civil) e, por
conseqüência, fica obrigado
a repará-lo (artigo
927 do mesmo diploma). No
entanto, tratando-se de
relação consumerista, basta
que o interessado (o autor)
demonstre o nexo de causalidade entre a ação ou omissão (conduta do agente) e o
prejuízo.
Neste contexto,
visualizo o defeito
na prestação de serviço. Isto
porque, a despeito
dos argumentos trazidos
na defesa, não há
qualquer documento nos
autos que indique
a assunção ao
procedimento ora combatido. A
existência de débitos pretéritos, por si só, não autoriza o bloqueio do dinheiro salário
para seu pagamento, existindo outros meios regulares de cobrança. De
todo modo, o
banco também não
trouxe aos autos
qualquer documento contendo a
anuência do autor à compensação de dívidas e não basta afirmar que
os contratos são
de adesão. Mesmo que
existisse cláusula neste sentido, certamente haveria nulidade a
reconhecer, porque coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sobretudo em
razão de seu caráter alimentar.
De acordo com o princípio da transparência elencado no Código de Defesa do
Consumidor, as informações a respeito
dos produtos e serviços oferecidos para
o consumidor devem
ser claras e
precisas, não podendo gerar
confusão a ele. Vale dizer, “não basta a mera cognoscibilidade do conteúdo do
contrato para que se tenha por cumprida a parte do fornecedor (...) é preciso
que tenha havido efetivo conhecimento
de todos os direitos e deveres que decorrerão
do contrato, principalmente sobre
as cláusulas restritivas
de direitos, que, a propósito, deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão”
(NERY, Nelson; NERY,
Rosa Maria de
Andrade, Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª
ed, RT, 2003, p. 942).
Ao autor
incumbe somente demonstrar
o nexo de causalidade entre
a conduta do réu defeito
na prestação de
serviços e o dano porventura suportado, o que
ocorreu in casu. Relembro que o
consumidor inadimplente, na cobrança
de dívidas, não
será exposto a
ridículo nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça, à luz do artigo 42 do CDC.
No caso
vertente, o dano
moral se presume
e é evento ipso
facto em relação à conduta
ilegal, como tal caracterizado in re ipsa. Na lição
abalizada de Sérgio
Cavalieri Filho, “dano
moral é a
lesão de bem integrante da
personalidade, tal como a honra,
a liberdade, a
saúde, a integridade psicológica,
causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima” (in Programa de
Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Malheiros Editores, p. 78).
Relembro, neste passo,
que o dano
moral não afeta
o patrimônio do ofendido, ao contrário, “não é a dor, a
angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o
complexo de que
sofre a vítima
do evento danoso,
pois esses estados de espírito
constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano” (in “Responsabilidade Civil”, Carlos Roberto
Gonçalves, 8ª edição, 2003). Trata-se,
na verdade, de
“dor da alma”,
interna, não palpável,
mas evidentemente sentida, ao
contrário do dano material, que se coaduna com a lesão patrimonial, isto é,
aprecia-se o prejuízo
em dinheiro, conforme
a diminuição sofrida
no patrimônio da vítima.
A esse respeito, já se decidiu:
“DANO MORAL. Contrato bancário. Cheque especial e
empréstimos. Ação de
indenização por danos
morais e materiais.
Débitos efetuados pela instituição
financeira onde autor
recebia seus proventos.
Ação julgada improcedente. DESCONTO NA CONTA CORRENTE. Valores
creditados pelo empregador a título de
salário. Impossibilidade. Art.
649, inc. IV, do CPC. Artigo
7º, X da
Constituição Federal e
51, § 1º,
III do Código
de Defesa do Consumidor. Natureza alimentar não elidida
por se tratar de depósito em conta corrente. DANOS
MORAIS. Configuração pela
conduta de invadir
a conta corrente do
autor, e apropriar-se,
o banco, de
valores considerados como alimentos. Fixação no importe de R$ 5.000,00, a partir da data
deste acórdão, com juros de
mora da citação.
RECURSO PROVIDO” (TJSP,
Apelação n.º 0002366-68.2008.8.26.0022, 18ª
Câmara de Direito
Privado, rel. Jurandir
de Sousa Oliveira, data do julgamento 12.06.2013).
O valor da indenização, nos termos do artigo 944 do CC, comporta
redução, pois, embora
envolva valor inestimável,
deve corresponder a uma quantia que conforte a vítima, sem
enriquecê-la (teoria do desestímulo).
Assim, para atender ao ora explicitado,
fixo a indenização em R$ 5.000,00
(cinco mil reais).
Diante do
exposto, JULGO PROCEDENTES
EM PARTE OS PEDIDOS, declaro extinto o processo com resolução de mérito,
com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, torno
definitiva a decisão de
fls. 49/50 e
determino que o
réu se abstenha
de efetuar novos bloqueios ou retenções nos salários
recebidos pelo autor, sob pena de aplicação de multa diária futuramente
arbitrada para o caso de descumprimento, e condeno o réu no pagamento de indenização por danos morais ao autor no
valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
quantia que será
corrigida monetariamente
desde o ajuizamento da ação, pela
Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, com incidência de juros de
mora de 1% ao mês desde a citação.
Nos termos do artigo 21, parágrafo único, do CPC
e da Súmula 326 do STJ, reconheço a sucumbência mínima do autor e condeno o réu no
pagamento de custas,
despesas processuais e
honorários advocatícios que
arbitro em 10% sobre o valor da condenação, conforme apregoa o artigo 20, §3º
do mesmo estatuto.
P.R.I.
São Paulo, 21 de agosto de 2013.
OBS: (decisão sujeita a Recurso –
proc nº 1024689-34.2013)