05/09/2011

DECISÃO FAVORAVEL - COMISSÃO DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA EM FINANCIAMENTO DE VEICULOS

VISTOS. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou a presente ação civil pública, com pedido de liminar, em face do BANCO SANTANDER S/A em razão do caráter ilegal e abusivo da cobrança da nominada “Tarifa de Liquidação Antecipada – TLA ou Tarifa de Quitação Antecipada”. Tal imposição é ou já foi cobrada de todo cliente consumidor que, pretendendo abreviar a liquidação de sua dívida e obter a devida quitação, efetua ou efetuou o pagamento antecipado de prestações vincendas. À guisa de dotar a cobrança de lastro contratual, em seus contratos padronizados e de adesão em vigor e já findos, dentre eles o designado por “Cédula de Crédito Bancário – Crédito Pessoal”, o réu adota cláusulas sem qualquer destaque. Por reputar tal cobrança e a cláusula contratual abusivas, o autor propôs celebração de Ajustamento de Conduta, mas não obteve aceitação do réu. Assim, a presente ação busca a tutela dos interesses da massa de consumidores que já contratou e tem com o réu contrato em vigor, continuando submetida às referidas imposições e, conseqüentemente, à prática abusiva. Também se busca nesta ação a salvaguarda daqueles consumidores, definidos no artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, titulares dos denominados interesses ou direitos individuais homogêneos, ou seja, aqueles decorrentes de origem comum, individuais e divisíveis cuja tutela é postulada coletivamente em razão dessa origem comum para facilitar a sua defesa, evitando-se decisões contraditórias e, a um só tempo, conferindo-se efetividade ao princípio da economia processual. A ilegalidade da cobrança da tarifa de quitação antecipada (TLA) decorre do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que explicitamente assegura a todo consumidor, quando se cuide de “outorga de crédito ou concessão de financiamento”, o direito à quitação antecipada de seu débito, com o abatimento dos juros e demais acréscimos. Ao impor ao consumidor, a título de “TLA”, o pagamento de qualquer valor que seja, além do saldo devedor, o banco réu se utiliza de artifício que claramente onera o consumidor e, quando não diminui substancialmente o alcance do direito previsto no art. 52, § 2º , do Código de Defesa do Consumidor, anula essa prerrogativa legal. De outra parte, nos contratos de certa ou longa duração, em geral, não se podem conceber cláusulas contratuais ou práticas do fornecedor que acabem por aprisionar o consumidor à relação contratual, por criar empecilhos para que ele, entregando a prestação a seu cargo, se desvencilhe do contrato, munido da devida quitação. Impõe-se a expedição de ordem liminar, inaudita altera pars, com base no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), uma vez que se encontram plenamente caracterizados os seus pressupostos jurídicos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora. Requer a concessão de medida liminar a fim de determinar ao réu se abstenha de aplicar a cláusula impugnada nos contratos já celebrados, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que deverá incidir a cada cobrança que efetivar em descumprimento do comando judicial, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 de Lei nº 7.347/85, regulamentado, no Estado de São Paulo, pela Lei nº 6.536, de 13 de novembro de 1989 e pelo Decreto nº 27.070, de 08.06.1987. Termina por requerer a procedência da ação, com a declaração de nulidade de toda cláusula, inserida pelo réu em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, que prevejam ou tenham previsto a incidência de tarifa, a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor; condenação do réu à obrigação de não fazer consistente em abster-se de cobrar tarifa do consumidor em virtude da liquidação antecipada, total o parcial, do saldo devedor relativo a contratos vigentes que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, sob pena de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por consumidor indevidamente cobrado e a condenação genérica do réu, na forma do artigo 95 da Lei 8.078/0, a restituir em dobro as importâncias já cobradas de consumidores a título de tarifa de quitação antecipada, com correção monetária e juros, tudo a ser liquidado e executado pelas vitimas ou seus sucessores, além da condenação do réu ao pagamento das custas processuais, devidamente atualizadas e a dispensa do autor ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos. Com a inicial (fls. 3/23). Vieram documentos (fls.24/72). Citado (fls.101), o réu ofereceu contestação, argüindo em preliminares: 1) o não atendimento aos pressupostos processuais e às condições da ação, 2) impossibilidade jurídica do pedido, 3) falta de interesse de agir, 4) ilegitimidade ativa do Ministério Público. No mérito, alega que para caracterizar de maneira precisa a ausência de ilegalidade ou abusividade na cobrança da tarifa discutida na presente ação basta se atentar às atribuições funcionais do Conselho Monetário Nacional, assim como do Banco Central do Brasil, a quem compete a fiscalização da política tarifária das Instituições Financeiras a operar em nosso país. Os bancos estão adstritos ao cumprimento das determinações emanadas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, sob pena de incorrerem nas sanções estabelecidas pela legislação. Cabe a um desses órgãos o dever de avaliar se a cobrança de determinada tarifa deve ser proibida ou autorizada à luz da capacitação técnica que esta tarefa reclama. Até a entrada em vigor da Resolução CMN 3.516/2007, tal norma não vedava a cobrança de tarifa objeto desta demanda, de modo que esta se mantém na esfera da autonomia privada das partes, não podendo admitir a pretensão do autor de verdadeiramente criar direito material por meio desta demanda ao impedir sua cobrança, sob pena de se violar o disposto no artigo 5º, II e 170 da Constituição Federal. A pretensão do autor é completamente infundada, porque não se pode admitir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às atividades financeiras ativas e passivas. A cobrança somente é feita naqueles casos permitidos pela norma em comento, os quais frise-se, também são objeto de expressa previsão contratual. Nos demais, a cobrança da tarifa não é feita em estrio cumprimento à Resolução vigente. Nenhuma destas resoluções incluiu a tarifa referente à quitação antecipada desde que o contrato tenha sido celebrado até 07.02.2007, na relação de tarifas cuja cobrança estava proibida. No caso, não bastasse a permissão do Conselho Monetário Nacional da cobrança de tarifa em questão, é certo que referida cobrança nada tem de abusiva, seja por ter respaldo normativo, seja porque livremente pactuada junto a clientes que foram previamente informados da existência da tarifa e do seu respectivo valor. No caso em tela, impõe-se a improcedência do pedido de inversão do ônus da prova, porque, além de ser o Código de Defesa do Consumidor inaplicável, não restarem atendidos os pressupostos à inversão do ônus da prova. Requer o acolhimento das preliminares para: a) reconhecer a falta de interesse de agir; b) a necessidade de o CMN (União) e o Banco Central do Brasil integrarem o pólo passivo da ação, com a conseqüência de se extinguir o feito sem resolução do mérito (art. 47, parágrafo único, c.c. 267, IV, Código de Processo Civil) ou, caso se entenda de maneira diversa, declarar a incompetência absoluta da Justiça Estadual para o feito (art. 113, “caput”, Código de Processo Civil), e de se remeterem os autos à Justiça Federal, determinando-se a citação da União e do Banco Central do Brasil para integrarem o pólo passivo da presente ação. Como conseqüência, serão nulos todos os autos decisórios praticados até o referido momento (art. 113, § 2º, Código de Processo Civil). Na hipótese de se entender que a Justiça Estadual é competente, deverão ser acolhidas as demais preliminares suscitadas, extinguindo-se a ação em tela sem resolução de mérito. Termina por requerer a total improcedência da ação, e, na hipótese de procedência do pedido principal, não poderá ser admitida a devolução em dobro, mas, apenas os valores cobrados a título de tarifa de liquidação antecipada, observado o prazo prescricional do art. 27, do CDC e os limites da competência territorial do órgão prolator (São Paulo), de acordo com o que dispõe o art. 16 da Lei 7.347/85 (fls.150/216). Vieram documentos (fls.217/220). Contra a decisão de fls. 129/130, foram impostos embargos declaratórios (fls. 222/227). Houve réplica (fls. 232/277). Vieram documentos (fls.278/307).
É o relatório. D E C I D O. A presente ação comporta julgamento antecipado, porquanto a solução da matéria independe de dilação probatória, ex vi do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. Frise-se, desde já, que o conflito sub examine é nitidamente de consumo (CDC, art. 3º, § 2º) e, por isso, impõe-se sua análise dentro do microssistema da Lei nº 8.078/90, sobretudo quanto à vulnerabilidade material e à hipossuficiência processual do consumidor (CDC, arts. 4º, I, c.c. 6º, VIII), ainda que por equiparação (CDC, art. 29). Nessa quadra, o Ministério Público tem legitimidade para integrar o pólo ativo da ação que trata de direitos difusos e os interesses ou direitos individuais homogêneos, ou seja, aqueles decorrentes de origem comum, individuais e divisíveis consagrados no CDC. De outro lado, sendo o CDC lei federal, com fundamento de validade em cláusula pétrea da Constituição Federal (CF, art. 5º, XXXII), não está a quaestio ora tratada subordinada aos atos normativos interna corporis expedidos pela CMN (União) ou Banco Central do Brasil aos seus destinatários integrantes do sistema financeiro. Noutras palavras, como no caso se discute os direitos dos consumidores e as cláusulas contratuais impostas em contratos pela ré e não a legalidade de atuação dos órgãos fiscalizadores do sistema financeiro nacional (CMN ou BACEN), inexiste interesse dessas instituições ou da União, competente a Justiça Cível Comum Estadual. Rejeito, pois, as preliminares argüidas. No mérito, a controvérsia é simples e a ação é procedente. Feitas as colocações jurídicas iniciais informadoras deste decisum, evidente que a cobrança da tarifa e a cláusula contratual que as consagra, ambas sub judice, são abusivas frente aos hipossuficientes consumidores. Isso porque, sem maior esforço cognitivo, a tarifa de quitação antecipada (TLA) afronta o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que explicitamente assegura aos consumidores, quando se cuide de “outorga de crédito ou concessão de financiamento”, o direito à quitação antecipada com o abatimento dos juros e demais acréscimos. O réu, ao impor aos consumidores a título de “TLA” o pagamento de qualquer valor que seja, além do saldo devedor, está sem retórica se utilizando de artifício que claramente onera a parte mais vulnerável do negócio, esvaziando a norma cogente do art. 52, § 2º , do Código de Defesa do Consumidor. Não aproveita o réu a alegação de que antes da vigência da Resolução CMN 3.516/2007 a referida tarifa não era proibida, mormente porque inviável sustentar-se legitimidade da cobrança prevista em ato normativo regulamentar se, ao contrário, já existia a específica e cogente disposição legal do CDC sobre o tema (CDC, art. 52, § 2º). Por outro ângulo e como bem anotado pelo autor, nos contratos de certa ou longa duração não são permitidas cláusulas contratuais ou práticas do fornecedor que acabem por aprisionar o consumidor à relação contratual, criando empecilhos não permitidos em lei para que ele, entregando a prestação a seu cargo, se desvencilhe do contrato, munido da devida quitação. Em acréscimo pertinente e complementar, tais cláusulas são impostas em contratos de adesão – sem margem de disponibilidade aos consumidores – e desprovidas do impositivo destaque e informação. A abusividade, concessa venia, salta aos olhos de qualquer leigo. O mais não pertine e fica absorvido pelos limites da lide e desta decisão.
Posto isto e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação para o fim de DECLARAR NULA toda cláusula inserida pelo réu em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento que prevejam ou tenham previsto (mesmo antes da Resolução CMN 3.516/2007) a incidência de tarifa a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor. CONDENO o réu à obrigação de não fazer consistente em abster-se de cobrar tarifa do consumidor em virtude da liquidação antecipada, total o parcial, do saldo devedor relativo a contratos vigentes que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, tornando definitiva a tutela antecipada, inclusive a multa ali fixada. Tratando-se de cobrança indevida, CONDENO o réu, na forma do artigo 95 da Lei 8.078/0, a restituir em dobro as importâncias já cobradas dos consumidores a título de tarifa de quitação antecipada, com correção monetária e juros, tudo a ser liquidado e executado pelos lesados ou seus sucessores. Por derradeiro, CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais, atualizadas. Deixo de fixar verba honorária por se tratar de ação civil pública movida pelo Ministério Público. PRIC. (proc nº 2007/266739-6).

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