Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, propôs ação civil pública em face de ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A. - TELESP e BRASIL TELECOM S.A. Alega que a ré Atlântico adquire de várias empresas, notadamente das rés Telesp e Brasil Telecom, carteiras de créditos inadimplidos, referentes a supostos débitos de consumidores. Ocorre que, além de não serem observadas as exigências legais para as aludidas cessões de crédito, em especial a regular notificação dos consumidores a respeito delas, uma imensa quantidade de créditos cedidos decorrem de fraudes perpetradas contra pessoas que tiveram linhas telefônicas indevidamente adquiridas em seus nomes. A partir daí, adquiridos os créditos, a ré Atlântico, sem verificar a procedência ou não dos supostos débitos, passa a utilizar métodos constrangedores e coercitivos para as cobranças das dívidas, exigindo o pagamento de somas atualizadas por índices unilateralmente escolhidos, e levando, em não raras vezes, os nomes dos consumidores aos bancos de dados negativos do sistema de proteção ao crédito, com prejuízos materiais e morais a estes últimos. Frequentemente, inclusive, os consumidores somente tomam ciência da inclusão dos seus nomes em cadastros de devedores inadimplentes no momento em que têm negado crédito ou inviabilizado algum negócio em razão dessas inscrições. Segundo entende o autor, as cessões de crédito em questão e as práticas de cobrança utilizadas pela ré Atlântico não obedecem às normas legais a elas relacionadas, devido à ausência de regular notificação dos supostos devedores, em que estes manifestem ciência a respeito, conforme exigido pelo art. 290 do Código Civil, e em razão do indevido fornecimento dos dados dos consumidores pelas rés Telesp e Brasil Telecom à ré Atlântico, cobertos por sigilo nos termos do art. 5º, XII, da Constituição Federal, à vista, ainda, da Resolução n. 426/2005 da Anatel. Tais condutas das rés, conclui o autor, configuram práticas abusivas, violadoras das normas dos arts. 4º, IV, e 6º, IV e VI, do CDC, na forma prevista no art. 39 do mesmo diploma legal, com afronta, ainda, ao princípio da boa-fé objetiva imposta a toda e qualquer relação de consumo (art. 4º, III, do CDC), de maneira que não podem persistir, pois vêm causando aos consumidores danos materiais e morais, estes últimos, inclusive, de natureza coletiva, ao abalar a confiança que a coletividade deveria ter nas prestadoras de serviço público. Dessa forma, pede o autor (a) a declaração de ineficácia, com relação aos consumidores tidos como devedores, das cessões de crédito celebradas entre a ré Atlântico e qualquer empresa cedente, nos casos em que o suposto devedor não tiver sido expressa, formal e pessoalmente notificado da referida cessão de crédito; (b) a imposição à ré Atlântico de obrigação de não fazer, consistente na abstenção de efetuar qualquer cobrança de débitos de consumidores, obtidos de qualquer empresa através de cessão de crédito, se o consumidor não tiver sido prévia, expressa, formal e pessoalmente notificado da respectiva cessão, com cominação de multa diária de R$ 10.000,00 para a eventualidade de inadimplemento; (c) a imposição à ré Atlântico de obrigação de não fazer consistente na abstenção da inscrição do nome do consumidor em bancos de dados negativos de proteção ao crédito, se a suposta dívida for relacionada a cessão de crédito da qual não tenha sido ele prévia, expressa, formal e pessoalmente notificado, com cominação de multa diária de R$ 10.000,00 para a eventualidade de inadimplemento; (d) a imposição à ré Atlântico de obrigação de fazer consistente na retirada, no prazo de cinco dias, dos nomes de todos os consumidores que tiverem sido por ela inscritos nos bancos de dados negativos de proteção ao crédito, se as supostas dívidas que ensejaram as inscrições forem relacionadas a cessões de crédito das quais não tenham sido eles prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, com cominação de multa diária de R$ 10.000,00 para a eventualidade de inadimplemento; (e) a condenação da ré Atlântico ao ressarcimento de danos materiais e morais sofridos por qualquer consumidor vítima de cessões de crédito não comunicadas regularmente; (f) a condenação, em caráter solidário, das rés Atlântico e Telesp ao ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos pelos consumidores desta última, vítimas das cessões de crédito não comunicadas regularmente; (g) a condenação, em caráter solidário, das rés Atlântico e Brasil Telecom ao ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos pelos consumidores desta última, vítimas das cessões de crédito não comunicadas regularmente; (h) a condenação, em caráter solidário, das rés Atlântico, Telesp e Brasil Telecom ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em quantia a ser arbitrada judicialmente; (i) a atribuição de abrangência nacional às determinações e condenações impostas; (j) a imposição às rés Atlântico, Telesp e Brasil Telecom do cumprimento de obrigação de fazer consistente em dar ampla divulgação da decisão pelos meios de comunicação social, com cominação da multa diária de R$ 50.000,00 para a eventualidade de inadimplemento. O autor pediu, ainda, antecipação de tutela, no concernente às obrigações de fazer discriminadas nos itens “b”, “c” e “d” acima. Acompanham a petição inicial os autos do inquérito civil n. 14.161.795/2008. A antecipação de tutela pedida foi concedida (fls. 1072 a 1074). Contra essa decisão interpuseram as rés Atlântico e Brasil Telecom agravos de instrumento, tendo sido provido o da primeira (fls. 1961 a 1968), para o fim de revogar a providência de urgência, não conhecido o da segunda (fls. 1801 a 1805). Publicado edital e comunicado o ajuizamento da demanda ao Procon (fls. 1635 e 1637 a 1639), houve a intervenção no processo de pessoas interessadas, na forma do art. 94 do CDC (fls. 1170 a 1172, 1209 a 1271, 1272 a 1281, 1314 a 1321, 1641 a 1646 e 1809 a 1819), admitida por este Juízo (fls. 1781 a 1783 e 1820). Vieram para os autos novos documentos trazidos pelo autor (fls. 1284 a 1310). Citadas, as rés responderam à presente (fls. 1323 a 1365 - ré Telesp; fls. 1366 a 1416 - ré Brasil Telecom; fls. 1419 a 1532 - ré Atlântico). Em preliminar, arguiram a carência de ação, pela ilegitimidade de parte ativa e ausência de interesses de agir, já que não estão em discussão interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos passíveis de serem tutelados pelo Ministério Público, mas tão somente interesses individuais privados, divisíveis e disponíveis, sem expressão social, destituídos de homogeneidade e origem comum, não se aplicando à espécie, as normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que os contratos de cessão de crédito se estabeleceram entre as empresas de telefonia, na condição de cedentes, e a ré Atlântico, na condição de cessionária, sem a participação dos consumidores. No mérito, sustentam a legalidade das cessões de crédito, que configuram negócio jurídico abstrato, cuja validade se reconhece ainda que a causa não exista ou resulte de fraude praticada contra o consumidor, motivo pelo qual não pode ser questionada legitimamente pelo autor. Quanto à notificação prevista no art. 290 do Código Civil, argumentam que inexiste necessidade de anuência do devedor para que a transmissão do crédito se dê. Ao contrário, a notificação é apenas requisito de eficácia da cessão em face do devedor, o qual, não notificado, poderá pagar validamente ao cedente, desobrigando-se perante o cessionário. Assim, a notificação em questão tem por objetivo unicamente preservar o direito do cessionário de receber o pagamento do devedor. Ainda assim, aduzem que as notificações das cessões são de fato feitas pela ré Atlântico, por intermédio de correspondências endereçadas aos devedores, sendo válidas, ainda, para tal fim, as comunicações enviadas pelo SCPC e pela SERASA antes das inscrições negativas, que, em conformidade com a Súmula n. 404 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, dispensam a comprovação do recebimento pelo destinatário, e, até mesmo, as citações nas ações de cobrança. De outra banda, alegam as rés que não configura prática abusiva o fornecimento à ré Atlântico dos dados cadastrais dos consumidores do serviço de telefonia pelas cedentes dos créditos, já que faz ele parte do direito legalmente assegurado de disposição do crédito, cujo exercício pressupõe a ciência pelo cessionário dos elementos que permitam a identificação dos devedores, não sendo, portanto, cobertos por sigilo. Por fim, batem-se pela inocorrência de danos de qualquer ordem aos consumidores, pela impossibilidade de caracterização, no ordenamento jurídico nacional, do dano moral coletivo e pela inviabilidade de ser dada abrangência nacional ao comando da sentença a ser proferida e à coisa julgada. A ré Atlântico anexou aos autos, em acréscimo, documentos a respeito da ciência por parte dos devedores das cessões de crédito (fls. 1647 a 1681). A réplica do autor veio às fls. 1693 a 1708. As partes não manifestaram interesse na produção de outras provas (fls. 1718, 1719 a 1721, 1722 a 1729 e 1777 a 1779). É o relatório. DECIDO. O mérito da causa comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do CPC, sendo desnecessária a produção de outras provas. A hipótese versa sobre a necessidade de prévia, expressa, formal e pessoal notificação de consumidores a respeito de cessões de crédito feitas em benefício da ré Atlântico, relacionadas a dívidas de qualquer natureza e, em especial, a débitos de usuários dos serviços de telefonia com as rés Telesp e Brasil Telecom. Pretende o autor, por intermédio da presente, em proveito dos consumidores não regularmente notificados, a declaração de ineficácia das cessões de crédito, a imposição à ré Atlântico do cumprimento de obrigações de não fazer, consistentes na abstenção de efetuar cobranças e inscrições negativas em bancos de dados do sistema de proteção ao crédito, e de fazer, consistente na exclusão das “negativações” realizadas, e a condenação das rés Atlântico, Telesp e Brasil Telecom, ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados e por dano moral coletivo, experimentado pela coletividade como um todo. A questão envolve, sem dúvida, relação de consumo, já que os créditos cedidos à ré Atlântico, notadamente aqueles transmitidos pelas rés Telesp e Telecom, resultaram, como estas o reconhecem, de relação de consumo entre elas e os usuários dos serviços de telefonia. Saliente-se que “na cessão de créditos não há extinção da obrigação constituída, mas substituição da posição do credor. O crédito se transfere ao cessionário com suas vantagens e desvantagens, exatamente como pertencia ao cedente”. “Também as vicissitudes da relação de crédito, que possam enfraquecê-lo ou destruí-lo, são transferidas, pois ao devedor não é permitido nem mesmo se opor à cessão. Em decorrência disso, o devedor não pode ser colocado em situação inferior àquela em que se encontrava perante o cedente” (cf. Hamid Charaf Bdine Jr. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Ministro Cezar Peluso. 4ª ed. Barueri, SP: Manole, 2010, p. 235 e 240). Dessa forma, estando a relação crédito/débito, estabelecida entre as rés Telesp e Brasil Telecom e os seus devedores, sujeita às normas de proteção dos consumidores, posição na qual se encontravam os devedores antes da cessão, não há dúvida de que os créditos cedidos à ré Atlântico mantêm essa mesma sujeição ao sistema do CDC, pois, do contrário, ficariam os devedores-consumidores, com a cessão dos créditos, perante a ré Atlântico, em situação jurídica inferior, sob a ótica protetiva do consumidor, àquela em que se encontravam perante as rés Telesp e Brasil Telecom, cedentes dos créditos, o que não se pode admitir. Por outro lado, impõe-se reconhecer, também, que as pretensões formuladas pelo autor dizem respeito à proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, na forma prevista no art. 81, parágrafo único, do CDC, circunstância que autoriza a tutela jurisdicional coletiva postulada. Observe-se que, no caso, o autor busca combater a ilegalidade da cobrança de débitos e de inscrições negativas destes em órgãos de proteção ao crédito, decorrentes de cessões de crédito feitas em benefício da ré Atlântico sem regular notificação dos devedores, ilegalidade essa que atinge, indivisivelmente, todo o grupo de consumidores dos serviços cujos supostos não pagamentos deram origem a referidos débitos, levando, assim, à proteção de interesses coletivos em sentido estrito. Além disso, o autor busca, também, o ressarcimento de prejuízos materiais e morais experimentados pelos consumidores individualmente considerados, resultantes das cobranças e inscrições negativas tidas por ilegais, danos esses divisíveis entre os integrantes do grupo lesado, circunstância que implica tutela de interesses individuais homogêneos dos devedores. E, por fim, o autor pretende, ainda, a proibição da cobrança e da inscrição de débitos sem prévia, formal e pessoal notificação de futuros devedores alcançados por futuras cessões de crédito, consumidores esses que constituem grupo indeterminado e indeterminável, cuja proteção se dará em caráter indivisível, daí se configurando a tutela de interesses difusos. Isso tudo sem contar a pretendida reparação de dano moral causado à coletividade como um todo (dano moral coletivo), a evidenciar, aqui também, a tutela de interesses difusos. Assim, inequívoca a tutela, ao mesmo tempo, de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, por intermédio da presente, na forma admitida pela legislação em vigor. Como ensina Hugo Nigro Mazzilli a respeito do tema: “Constitui erro comum supor que, em ação civil pública ou coletiva, só se possa discutir, por vez, uma só espécie de interesse transindividual (ou somente interesses difusos, ou somente coletivos ou somente individuais homogêneos). Nessas ações, não raro se discutem interesses de mais de uma espécie. Assim, à guisa de exemplo, numa única ação civil pública ou coletiva, é possível combater os aumentos ilegais de mensalidades escolares já aplicados aos alunos atuais, buscar a repetição do indébito e, ainda, pedir a proibição de aumentos futuros; nesse caso, estaremos discutindo, a um só tempo: a) interesses coletivos em sentido estrito (a ilegalidade em si do aumento, que é compartilhada de forma indivisível por todo o grupo lesado); b) interesses individuais homogêneos (a repetição do indébito, proveito divisível entre os integrantes do grupo lesado); c) interesses difusos (a proibição de imposição de aumentos para os futuros alunos, que são um grupo indeterminável). (...) Outra confusão recorrente precisa ser desfeita: o mesmo interesse não pode ser simultaneamente difuso, coletivo e individual homogêneo, pois se trata de espécies distintas. O que pode ocorrer é que uma única combinação de fatos, sob uma única relação jurídica, venha a provocar o surgimento de interesses transindividuais de mais de uma categoria, os quais podem até mesmo ser defendidos no mesmo processo coletivo. Assim, de um único evento fático e de uma única relação jurídica consequente, é possível advirem interesses múltiplos. Tomemos alguns exemplos: a) um aumento ilegal de prestações num consórcio envolve, ao mesmo tempo, uma lesão a interesses coletivos, no que diz respeito à própria ilegalidade do aumento, e uma lesão a interesses divisíveis, no que diz respeito à restituição de eventuais valores pagos a mais; b) de um acidente ecológico, como o de Chernobyl, podem resultar danos difusos ao meio ambiente como um todo, e, ao mesmo tempo, danos individuais homogêneos e divisíveis para os moradores da região; c) se uma série de produtos é fabricada com o mesmo defeito, os lesados têm interesses individuais homogêneos em obter uma reparação divisível, mas a pretensão de proibir a venda do produto diz respeito a interesses difusos; d) a pretensão de anular uma cláusula abusiva em contrato de adesão versa interesse coletivo, mais é difuso o interesse de afastar essa cláusula nos contratos futuros.” (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59-60). Não se diga, como o fazem as rés, no tocante aos interesses individuais aqui discutidos, que faltam os requisitos da origem comum e da homogeneidade, aptos a abrir a via da tutela jurisdicional coletiva. A origem comum está evidenciada, na espécie, já que os interesses cuja proteção se almeja resultam das cessões de crédito à ré Atlântico relacionadas aos grupos de consumidores dos serviços prestados pelas rés Telesp e Brasil Telecom e outras empresas. Trata-se de causa comum, sob o ponto de vista fático e jurídico, ainda que não haja unidade factual e temporal (cf. Ada Pellegrini Grinover. A ação civil pública no STJ. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 31; Kazuo Watanabe. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 806). Quanto à homogeneidade da situação fática e jurídica, tem-se que está também presente, ausentes características próprias e pessoais dos consumidores envolvidos pelas cessões de crédito ora discutidas capazes de fazer com que para cada um deles a causa comum atue diferentemente (cf. Ada Pellegrini Grinover, ob. cit., p. 31). Na realidade, e ao contrário, reconhecidas que forem a ilegalidade e a abusividade das cobranças e das inscrições negativas em questão, atuarão elas de forma idêntica para todos os consumidores, mesmo que, na sequência, a apuração e a quantificação de eventuais danos se dê de maneira particularizada. Não bastasse, impõe-se admitir, igualmente, na hipótese, a prevalência da dimensão coletiva do litígio, sobre a individual, dado o expressivo número de pessoas que fazem parte do grupo tutelado - mais de 11.000.000 de usuários do serviço de telefonia prestado apenas pela ré Telesp, dos quais 2.710.511 são supostos devedores dos créditos cedidos (fls. 1334) -, bem como a superioridade da tutela coletiva dos interesses individuais em causa, em relação à tutela individual do mesmo modo admitida, em termos de eficácia e justiça da decisão (cf. Ada Pellegrini Grinover, ob. cit., p. 33), pela conveniência de se evitarem decisões contraditórias e sobrecarga desnecessária no volume do serviço judiciário e pela pequena dimensão - no mais das vezes - dos danos individualmente causados, suficiente para desestimular os lesados a buscarem, por seus próprios meios, amparo no Judiciário (cf. Rodolfo de Camargo Mancuso, Sobre a legitimação do Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos. In: MILARÉ, Edis. Ação civil pública - Lei 7.347/85 - reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 440-441). Nesses termos, estabelecido que a presente demanda se destina à tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, resulta daí, por igual, a legitimidade ativa do Ministério Público para a causa, em conformidade com o disposto no art. 82, I, do CDC. Anote-se que, mesmo no tocante aos interesses individuais homogêneos aqui discutidos, a legitimatio ad causam do Ministério Público se revela evidente. De fato, o entendimento que tem prevalecido na matéria, tanto em doutrina (cf. Kazuo Watanabe, ob. cit., p. 818; Ada Pellegrini Grinover, ob. cit., p. 27; Rodolfo de Camargo Mancuso, ob. cit., p. 444-450; Hugo Nigro Mazzilli, ob. cit., p. 111-113; Ricardo de Barros Leonel, Manual do processo coletivo. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 183-187; Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 21), como na jurisprudência (cf. STJ - 2ª T. - AgRg no REsp 229.226-RS - j. 04.03.2004 - rel. Min. Castro Meira - DJU 07.06.2004; TJSP - 1ª Câm. - AI n. 261.204-5/4-00 - j. 25.06.2002 - rel. Des. Roberto Bedaque), de longa data, é o de que o Ministério Público tem legitimidade para defender em juízo interesses individuais homogêneos disponíveis quando se verifica a relevância social da proteção do direito individual homogêneo em discussão, ou da própria tutela coletiva, devido, em especial, ao grande número de pessoas lesadas ou interessadas, a fim de evitar o ajuizamento de inúmeras demandas individuais, com a possibilidade de contradição de julgados sobre a mesma questão. Na hipótese, a relevância social da tutela dos direitos individuais homogêneos do consumidor, em termos gerais, foi reconhecida pelo próprio legislador, no art. 1º do CDC, tanto que a atribuição da legitimidade para a causa ao Ministério Público, no tema, prevista no art. 82, I, do mesmo diploma legal, se deu sem qualquer ressalva ou discriminação. Não por outra razão, inclusive, o Colendo Supremo Tribunal Federal já afirmou, em mais de uma oportunidade, a legitimidade ativa do Ministério Público para ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos decorrentes de relações de consumo, sem qualquer alusão à exigência de demonstração, no caso concreto, da relevância social dos direitos individuais em discussão (cf. STF - 1ª T. - RE n. 185.360-3/SP - j. 17.11.1997 - rel. Min. Carlos Velloso - DJU 20.02.1998; STF - Pleno - RE n. 195.056-1 - j. 17.11.1999 - rel. Min. Carlos Velloso; STF - 2ª T. - RE n. 206.781-4-MS - j. 06.02.2001 - rel. Min. Marco Aurélio - DJU 29.06.2001 - STF - 2ª T. - AgRg no RE 248.191-2-SP - j. 01.10.2002 - rel. Min. Carlos Velloso). Mas, ainda que assim não fosse, impor-se-ia admitir a relevância social da tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos em causa, à vista das circunstâncias da espécie, devido ao grande número de pessoas concernidas pelas cessões de crédito ora discutidas - como visto, pelo menos 11.000.000 de pessoas só na cessão da carteira de créditos da ré Telesp, sem contar as demais cessões de crédito da ré Brasil Telecom e de outras empresas à ré Atlântico. Portanto, não há como acolher as preliminares arguidas pelas rés, relativamente à ilegitimidade de parte ativa do autor e à falta de interesse de agir para a ação coletiva ora ajuizada. Como analisado, o Ministério Público está legitimado para a causa, mostrando-se, ainda, necessários e, em tese, adequados os provimentos jurisdicionais solicitados para a correção da situação reclamada, à luz do direito material. No que concerne ao tema de fundo da controvérsia, ou seja, ao mérito da causa, tem-se que a demanda deva ser julgada parcialmente procedente. Os elementos de convicção constantes dos autos evidenciam que a ré Atlântico adquiriu, mediante contratos de cessão de crédito, inúmeros débitos de consumidores dos serviços de telefonia prestados pelas rés Telesp e Brasil Telecom, passando a cobrá-los dos supostos devedores, sem comprovação de que tenha havido prévia notificação pessoal destes a respeito da cessão. As comunicações das cessões, no mais das vezes, se deram e ainda se dão por ocasião do envio dos nomes dos consumidores aos cadastros de devedores inadimplentes do SCPC e da SERASA, ou, eventualmente, por meio do envio de correspondências aos endereços dos devedores, sem comprovante de entrega e recebimento. O mesmo ocorre, ademais, com outros créditos adquiridos pela ré Atlântico, de outras empresas, via contratos de cessão de crédito. Ocorre que, como sustentado pelo autor, as cobranças e as inscrições negativas no SCPC e na SERASA feitas pela ré Atlântico, nesses casos, sem prévia, expressa, formal e pessoal notificação dos devedores, devidamente comprovada, são ilícitas e configuram, de fato, prática abusiva, na forma do art. 39 do CDC. Observe-se que, nos termos do art. 290 do Código Civil, a ausência da notificação torna ineficaz a cessão de crédito em relação ao devedor, não produzindo, dessa maneira, efeitos no tocante a este último. Daí a impossibilidade de a cessionária promover a cobrança do crédito em face do devedor e a inscrição do nome deste nos cadastros de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito. Conforme já decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador José Carlos Ferreira Alves, em julgamento do qual participaram, ainda, os eminentes Desembargadores Boris Kauffmann e José Roberto Bedran: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - Ação de indenização por danos morais - Inscrição indevida nos cadastros dos inadimplentes - Crédito de terceiro - Cessão de crédito não notificada ao consumidor - Ineficácia - Art. 290 do CC - Ausência de demonstração da cessão - Negativação indevida - Dever de indenizar - Quantia fixada levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade - Manutenção - Sentença improcedente - Recurso do autor provido. (...) 9. A existência da dívida junto ao Banco do Brasil restou incontroversa, todavia, o autor afirmou jamais ter sido notificado da transferência do crédito, o que torna indevida a sua cobrança pela ré (...). 10. Colhe razão o autor. Incumbia à ré demonstrar a existência de vínculo jurídico entre as partes que tornasse legítima a cobrança da dívida discutida, bem como o envio do nome do autor aos cadastros de inadimplentes. 11. O Código Civil prevê em seu artigo 290 que a cessão de crédito somente tem eficácia contra o devedor quando for a ele notificada. O fundamento da regra torna-se óbvio no caso dos autos. Como poderia o autor pagar sua dívida a terceiro sem ter a certeza de que o pagamento seria eficaz à extinção da dívida? Se o devedor não for cientificado da transferência do direito de crédito, permanece vinculado ao credor original, não se constituindo de forma eficaz uma relação jurídica entre ele e o terceiro cessionário. Desta forma, indevida a cobrança da dívida, bem como o encaminhamento do nome do autor ao rol de maus pagadores. 12. Outro não tem sido o entendimento deste Tribunal que julgando casos análogos já se manifestou em idêntico sentido: INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CESSÃO DE CRÉDITO - O autor não foi notificado da cessão de crédito - Ineficácia perante o devedor, na forma do artigo 292 do Código Civil - O débito é inexigível - A ausência de tal formalidade, torna o apontamento junto aos órgãos de proteção ao crédito indevido e ilegal - Dano moral evidenciado - Recurso provido. (Apelação nº 990103726286 Rel. Des. Carlos Lopes, 18ª Câmara de Direito Privado, j. 28/09/2010). Prestação de serviços - Telefonia - Cobrança indevida - Reconhecimento - Inclusão do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito - Dano moral - Reconhecimento - Imposição de sanção - Admissibilidade. A inclusão indevida do nome do autor nos serviços de proteção ao crédito, gerando evidente abalo de crédito, justifica plenamente a imposição de sanção, a título de dano moral, a quem indevidamente promoveu o ato, representando um eficaz ressarcimento à parte atingida. Prestação de serviços - Telefonia - Cessão de crédito sem notificação do devedor - Ineficácia perante terceiros - Negativação do nome do usuário pela cessionária - Conduta ilícita - Responsabilidade solidária pelos danos causados - Reconhecimento. A ilícita negativação do nome do consumidor denota a conduta culposa da empresa cessionária e justifica plenamente sua condenação à reparação pelos danos morais ensejados, ao lado da concessionária cedente. Recurso provido. (Apelação nº 992090803999, Rel. Des. Orlando Pistoresi, 30ª Câmara de Direito Privado, j. 17/11/2010).” (TJSP - 2ª Câmara de Direito Privado - Ap. Cív. n. 9159220-71.2006.8.26.0000 - j. 22.02.2011 - rel. Des. José Carlos Ferreira Alves). Ressalte-se que a notificação a que se refere o art. 290 do CC é a notificação do devedor a respeito da cessão do crédito, a fim de que este último tenha conhecimento de quem é o novo credor. Não pode, assim, tal notificação, ser confundida com a comunicação feita pela SERASA e pelo SCPC por ocasião da inscrição negativa do nome do devedor no cadastro de inadimplentes, por solicitação da cessionária, comunicação essa que, à evidência, tem finalidade diversa e pressupõe que a cessão já esteja produzindo efeitos em relação àquele. O mesmo se diga, e com mais razão, da comunicação decorrente da citação para a ação de cobrança do crédito. De outra banda, a notificação exigida é, sem dúvida, a notificação pessoal do devedor, com a devida comprovação de que por este foi ela efetivamente recebida ou, no mínimo, de que ao seu endereço conhecido foi enviada e por alguém recebida em seu nome. Por ser exigência concernente à eficácia da cessão de crédito em relação ao devedor, a notificação admitida é, com efeito, somente a pessoal, nos moldes referidos, não se podendo estender a ela a orientação estabelecida pela Súmula n. 404 do Colendo Superior Tribunal de Justiça a respeito da comunicação da abertura de cadastro de consumo em nome do consumidor (art. 43, § 2º, do CDC), que dispensa a comprovação do recebimento. Para os fins do art. 290 do CC, ausente demonstração da ciência do devedor, não se há de falar em regular notificação. A distinção propugnada pelas rés, de que somente na hipótese em que a comunicação se dá mediante declaração de ciência do devedor em escrito público ou particular (segunda parte do disposto no art. 290 do CC) há a necessidade de comprovação do conhecimento da cessão, não pode ser admitida, já que a notificação prevista na primeira parte do art. 290 do CC também pressupõe efetiva ciência pelo devedor, sob pena de não se ter como realizada. E essa ciência se evidencia pela comprovação do efetivo recebimento da notificação por parte do devedor na forma acima referida. Não se diga, ainda, como o fazem as rés, que as cobranças e as “negativações” dos consumidores se mostram lícitas, na medida em que, de acordo com o art. 293 do CC, independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer atos conservatórios do direito cedido. Isso porque a norma em discussão, do art. 293 do CC, tem alcance restrito, ou seja, limitado a atos conservatórios do crédito, não chegando ao ponto de permitir a cobrança em si mesma e muito menos a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes, o que somente se pode admitir uma vez aperfeiçoada a notificação prevista no art. 290 do CC, repita-se, com a comprovação do recebimento pelo destinatário. Pertinente invocar, no ponto, uma vez mais, a doutrina de Hamid Charaf Bdine Jr., ao comentar o art. 293 do estatuto civil e os atos conservatórios do direito cedido passíveis de serem praticados antes da eficácia da cessão: “Admite-se que o cessionário do crédito exerça atos de proteção de seu crédito, mesmo que da cessão o devedor não tenha conhecimento. Esse dispositivo, além de reforçar a convicção de que o negócio da cessão se aperfeiçoa com as manifestações de vontade dos credores cedente e cessionário (pois apenas por esse motivo é possível reconhecer ao cessionário legitimidade para os atos conservatórios), autoriza que ele tome as referidas medidas antes da eficácia do negócio perante o devedor. É possível, pois, que o cessionário ajuíze ação cautelar de arresto para conservar o patrimônio do devedor que pretenda cair em situação de insolvência (art. 813 do CPC).” (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Ministro Cezar Peluso. 4ª ed. Barueri, SP: Manole, 2010, p. 255, sem grifos no original). Não há dúvida, como se pode perceber, de que a cobrança dos créditos cedidos e o envio dos nomes dos consumidores aos cadastros de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito, sem prévia, expressa, formal e pessoal notificação das cessões de crédito, com a comprovação do recebimento desta pelos supostos devedores, configuram, como sustentado pelo autor, práticas abusivas, à luz do disposto no art. 39 do CDC, já que suscetíveis de causar danos expressivos aos consumidores que desconhecem as cessões efetuadas e de servir de mecanismo de opressão destes nas relações de consumo estabelecidas, impedindo-os de terem prévia e regular ciência das cessões de crédito, não só para saberem a quem efetivamente pagar a suposta dívida como também para contestá-la nos casos de fraudes na constituição dos débitos, não pouco frequentes, infelizmente, na prática. De interesse registrar, sobre o assunto, a doutrina autorizada de Antônio Herman V. Benjamin, igualmente lembrada pelo autor: “Prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. (...) As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las. (...) Não poderia o legislador, de fato, listar, à exaustão, as práticas abusivas. O mercado de consumo é de extremada velocidade e as mutações ocorrem da noite para o dia. Por isso mesmo é que se buscou deixar bem claro que a lista do art. 39 é meramente exemplificativa, uma simples orientação ao intérprete.” (In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 216-218 - sem grifos no original). Diante desse quadro, torna-se imperativo que as referidas práticas abusivas sejam coibidas, em conformidade com o disposto no art. 6º, IV, do CDC, na forma pretendida por intermédio da presente demanda coletiva, impondo-se à ré Atlântico a abstenção de efetuar cobranças de créditos resultantes de cessões que não foram notificadas aos consumidores, com comprovação do efetivo recebimento das notificações por estes, e de enviar os nomes dos devedores aos cadastros de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito, sem prova de que tal formalidade tenha sido cumprida. Além disso, cumpre também à ré Atlântico promover a revisão de todas as inscrições negativas realizadas em órgãos de proteção ao crédito dos nomes dos consumidores que se encontram na posição de devedores de cessões de que é beneficiária, para o fim de excluir aqueles em relação aos quais inexiste comprovação da entrega e recebimento da notificação prevista no art. 290 do CC. E mais: na eventualidade da ocorrência de danos individuais - materiais e morais - aos consumidores não regularmente notificados, em virtude das práticas abusivas de cobrança e inscrição de débito em órgãos de proteção ao crédito, cabe às rés Atlântico, Telesp e Brasil Telecom, em caráter solidário (art. 7º, parágrafo único, do CDC), o dever de reparar os prejuízos causados; às duas últimas, evidentemente, no que concerne às cessões de crédito em que figurem ou figuraram como cedentes. A condenação que ora se pronuncia, relativa aos interesses individuais homogêneos dos consumidores, tem cunho genérico, na forma prevista no art. 95 do CDC, para futuras liquidações e execuções individuais pelas vítimas, de acordo com a norma do art. 97 do CDC, com a prova dos danos materiais e morais sofridos e do nexo de causalidade entre eles e a cobrança e/ou inscrição negativa do débito relacionado à cessão de crédito não regularmente notificada, vale dizer, sem a devida comprovação de que foi ela efetivamente recebida pelo indigitado devedor ou, no mínimo, enviada ao endereço deste e recebida por alguém em seu nome. Anote-se, porém, a fim de se evitarem futuras controvérsias, que, para as liquidações e execuções individuais, deverão os consumidores extrair certidão e cópia da presente sentença, facultada a veiculação das suas pretensões no foro do seu domicílio ou no foro desta Comarca da Capital de São Paulo, mas sem prevenção deste Juízo, já que o processo coletivo não é juízo universal e nele não se dá concurso de credores. Como esclarece Hugo Nigro Mazzilli: “Tratando-se de interesses individuais homogêneos, a condenação proferida em ação civil pública ou coletiva será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos. Assim, a liquidação ou a execução da sentença poderão ser promovidas tanto pelos colegitimados ao processo coletivo como pelos próprios lesados ou seus sucessores. Para não tumultuar, porém, o processo coletivo com milhares de liquidações ou execuções individuais, cada qual destas com a prática de atos processuais próprios, o correto será que os lesados individuais extraiam as certidões necessárias e, munidos de seu título, promovam separadamente sua pretensão. Nos termos do art. 98 do CDC, só os colegitimados à ação civil pública ou coletiva é que podem promover a liquidação e a execução coletiva (CDC, art. 100): os lesados individuais liquidam ou executam individualmente. Esse raciocínio tanto mais é verdadeiro que o CDC distinguiu foro competente para a liquidação e execução individuais, o qual não é necessariamente o mesmo para a execução coletiva (art. 98, § 2º). (...) (...) o processo coletivo não é juízo universal; nele não ocorre concurso de credores; ao contrário. Para o juízo do processo coletivo não devem acorrer os lesados individuais, salvo se quiserem intervir na ação civil pública ou coletiva como assistentes litisconsorciais. Fora dessa hipótese, os lesados deverão propor suas ações individuais no foro adequado para isso, o qual será determinado de acordo com as regras processuais de competência. Mesmo a liquidação e a execução individuais, ainda que fundadas em título obtido na ação coletiva, não são atraídas pelo juízo da ação coletiva, e a essa conclusão não obsta o parágrafo único do art. 2º da LACP (...).” (ob. cit., p. 583 e 586 - sem grifos no original). Viável, ainda, como pretendido pelo autor, a imposição às rés da obrigação de dar ampla divulgação da decisão pelos meios de comunicação social, em acréscimo à publicidade já realizada no tocante à propositura da demanda, em obediência ao art. 94 do CDC (fls. 1635 e 1637 a 1639). Com efeito, a publicidade a que ora se refere se apresenta imprescindível, a fim de que os consumidores interessados - tanto os já abrangidos pelas cessões de crédito discutidas, quanto os que vierem a ser, no futuro, atingidos por cessões de crédito feitas pelas rés Telesp e Brasil Telecom ou terceiras empresas à ré Atlântico - possam ter ciência da ilegalidade e abusividade de cessões não regularmente notificadas, nos moldes já descritos, e buscar a proteção dos seus direitos que tiverem sido violados e lesados sob a ótica patrimonial e moral. Para tanto deverão as rés veicular a notícia do presente julgado em dois jornais de ampla circulação, em duas emissoras de rádio e em dois canais de televisão. Por fim, não há como recusar a pretendida abrangência nacional para a presente sentença e seus efeitos, bem como para a imutabilidade destes, decorrente da coisa julgada ultra partes e erga omnes (art. 103, I, II e III, do CDC) que vier a se formar na eventualidade de confirmação do decisum pela Egrégia Superior Instância ou de ausência de interposição de recurso pelas rés. Saliente-se que, conforme se tem entendido, o âmbito de abrangência - nacional, regional ou local - da eficácia da sentença e da autoridade de coisa julgada, no processo coletivo, é determinado pelo pedido formulado na demanda, sem qualquer relação com a competência do juiz prolator da decisão. Assim, sendo o pedido amplo, com abrangência nacional, o juiz competente o será para conhecer de todo o objeto do processo, não se podendo pretender limitar os efeitos do julgado com base em critérios de competência territorial. Nesse sentido, o magistério autorizado de Ada Pellegrini Grinover sobre a matéria: “(...) o âmbito da abrangência da coisa julgada é determinado pelo pedido, e não pela competência. Esta nada mais é do que a relação de adequação entre o processo e o juiz, nenhuma influência tendo sobre o objeto do processo. Se o pedido é amplo (de âmbito nacional) não será por intermédio de tentativas de restrições da competência que o mesmo poderá ficar limitado. (....) Sendo o pedido amplo (erga omnes), o juiz competente o será para julgar a respeito de todo o objeto do processo (...)” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 922-923). Por essa razão, tem-se entendido também que a alteração introduzida pela Lei n. 9.494/1997 ao art. 16 da Lei n. 7.347/1985, segundo a qual a sentença proferida na ação civil pública fará coisa julga erga omnes “nos limites da competência do órgão territorial prolator”, deve ser tida como inócua e inoperante para o fim de restringir a eficácia ultra partes e erga omnes da sentença e da coisa julgada, no processo coletivo, aos limites do território da comarca ou subseção judiciária em que atua o juiz que conhece do pedido (cf. Ada Pellegrini Grinover, ob. cit., p. 923; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1558; Hugo Nigro Mazzilli, ob. cit., p. 594-597; Rodolfo de Camargo Mancuso. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 267-268; Ricardo de Barros Leonel, ob. cit., p. 300-303). Como já teve a oportunidade de decidir o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento que teve voto condutor do eminente Desembargador Egidio Giacoia, de que participaram, ainda, os eminentes Desembargadores Donegá Morandini e Jesus Lofrano: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação Civil Pública em fase de Cumprimento de Sentença - Plano de Saúde - Extensão Subjetiva da Coisa Julgada no Processo Coletivo - (...) - A coisa julgada coletiva pode operar-se em relação aos consumidores de todo o território nacional desde que haja pedido expresso neste sentido, com previsão no dispositivo da decisão coletiva (...).” (TJSP - 3ª Câmara de Direito Privado - AI n. 9023178-10.2009.8.26.0000 - j. 18.01.2011 - rel. Des. Egidio Giacoia). Ainda: TJSP - 19ª Câmara de Direito Privado - Ap. Cív. n. 1.008.071-2 - j. 28.11.2008 - rel. Des. Alexandre David Malfatti. Observe-se que, na hipótese em exame, o pedido formulado pelo autor tem, indiscutivelmente, abrangência nacional. Daí a abrangência nacional da sentença, por força do aludido pedido e da eficácia ultra partes e erga omnes do comando judicial e da imutabilidade dos efeitos deste. Em dois aspectos, porém, cabe ressalvar, assiste razão às rés: quando impugnam os pedidos de declaração de ineficácia em face dos consumidores das cessões de crédito celebradas entre elas e entre a ré Atlântico e quaisquer outras cedentes, nos casos em que os supostos devedores não tiverem sido regularmente notificados, e de suas condenações ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. De fato, a declaração de ineficácia da cessão de crédito, em relação ao consumidor, em caráter principaliter, pressupõe a verificação in concreto da ocorrência da cessão não comunicada, não podendo ser pronunciada em termos genéricos, para situações futuras e eventuais, como se dá com a ilegalidade e a abusividade das cobranças e inscrições negativas dos débitos. Já a reparação do dano moral coletivo, na espécie, não comporta deferimento, ausente prova de que as práticas abusivas ora verificadas acarretaram prejuízo de ordem extrapatrimonial à coletividade como um todo, para além dos danos aos consumidores individualmente considerados. Ressalte-se que, embora reparável o dano moral coletivo, conforme expressa previsão legal (art. 6º, VI e VII, do CDC e art. 1º, caput, da Lei n. 7.347/1985), não resultou ele comprovado no desenrolar do procedimento, não se tendo verificado, concretamente, ofensa ou abalo a toda a coletividade em virtude das condutas ora repudiadas e coibidas. E, sem a prova de que houve efetivo dano moral coletivo, inviável a reparação pretendida pelo autor.
Diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda coletiva e: (a) Imponho à ré ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente na abstenção da realização da cobrança de débitos de consumidores oriundos de cessões de crédito celebradas com quaisquer empresas, se o consumidor não tiver sido prévia, expressa, formal e pessoalmente notificado da cessão de crédito, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que a notificação foi efetivamente recebida pelo indigitado devedor ou, no mínimo, enviada ao endereço deste e recebida por alguém em seu nome.
(b) Imponho à ré ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente na abstenção da inscrição dos nomes dos consumidores em bancos de dados negativos de proteção ao crédito, se as supostas dívidas forem relacionadas a cessões de crédito das quais não tenham sido eles prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que as notificações foram efetivamente recebidas pelos indigitados devedores ou, no mínimo, enviadas aos endereços destes e recebidas por alguém em seus nomes.
(c) Imponho à ré ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS o cumprimento de obrigação de fazer, consistente em promover, no prazo de 30 dias, a retirada dos nomes de todos os consumidores que foram por ela inscritos em bancos de dados negativos de proteção ao crédito, se as supostas dívidas que ensejaram as inscrições forem relacionadas a cessões de crédito das quais não tenham sido eles prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que as notificações foram efetivamente recebidas pelos indigitados devedores ou, no mínimo, enviadas aos endereços destes e recebidas por alguém em seus nomes.
(d) Condeno as rés ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS e TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A. - TELESP, em caráter solidário, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais aos consumidores que tiverem sido vítimas de cobranças e/ou inscrições negativas em órgãos de proteção ao crédito relacionadas a cessões de crédito das quais não tenham sido prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que as notificações foram por eles efetivamente recebidas ou, no mínimo, enviadas aos seus endereços e recebidas por alguém em seus nomes. As liquidações e execuções individuais se darão na forma do art. 97 do CDC, após o trânsito em julgado da sentença, mediante extração pelos consumidores de certidão e cópia da presente sentença, facultada a veiculação das suas pretensões no foro do seu domicílio ou no foro desta Comarca da Capital de São Paulo, mas sem prevenção deste Juízo, em conformidade com o acima analisado.
(e) Condeno as rés ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS e BRASIL TELECOM S.A., em caráter solidário, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais aos consumidores que tiverem sido vítimas de cobranças e inscrições negativas em órgãos de proteção ao crédito relacionadas a cessões de crédito das quais não tenham sido prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que as notificações foram por eles efetivamente recebidas ou, no mínimo, enviadas aos seus endereços e recebidas por alguém em seus nomes. As liquidações e execuções individuais se darão na forma do art. 97 do CDC, após o trânsito em julgado da sentença, mediante extração pelos consumidores de certidão e cópia da presente sentença, facultada a veiculação das suas pretensões no foro do seu domicílio ou no foro desta Comarca da Capital de São Paulo, mas sem prevenção deste Juízo, em conformidade com o acima analisado.
(f) Condeno a ré ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS ao pagamento de indenização por danos materiais e morais aos consumidores que tiverem sido vítimas de cobranças e inscrições negativas em órgãos de proteção ao crédito relacionadas a cessões de crédito celebradas com outras empresas, das quais não tenham sido prévia, expressa, formal e pessoalmente notificados, na forma acima estabelecida, vale dizer, com a devida comprovação de que as notificações foram por eles efetivamente recebidas ou, no mínimo, enviadas aos seus endereços e recebidas por alguém em seus nomes. As liquidações e execuções individuais se darão na forma do art. 97 do CDC, após o trânsito em julgado da sentença, mediante extração pelos consumidores de certidão e cópia da presente sentença, facultada a veiculação das suas pretensões no foro do seu domicílio ou no foro desta Comarca da Capital de São Paulo, mas sem prevenção deste Juízo, em conformidade com o acima analisado.
(g) Imponho às rés ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A. - TELESP e BRASIL TELECOM S.A. o cumprimento de obrigação de fazer, consistente em dar ampla publicidade à presente sentença, pelos meios de comunicação social, mediante inserção, no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado, de notícia a respeito em dois jornais de grande circulação, em duas emissoras de rádio e em dois canais de televisão. Para a eventualidade de não cumprimento da obrigação de fazer ora determinada, no prazo fixado, imponho às rés ATLÂNTICO FUNDO DE INVESTIMENTOS EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A. - TELESP e BRASIL TELECOM S.A. multa de R$ 5.000,00 para cada dia de atraso no adimplemento da prestação.
(h) Reconheço a abrangência nacional da presente sentença e de seus efeitos, bem como da imutabilidade destes, decorrente da coisa julgada ultra partes e erga omnes (art. 103, I, II e III, do CDC), à luz do pedido formulado na inicial.
(i) Determino a publicação da sentença no Diário Oficial e a expedição de ofício ao Procom/SP para ampla divulgação do resultado do julgamento. JULGO IMPROCEDENTES os pedidos do autor de declaração, em caráter principaliter, de ineficácia em face dos consumidores das cessões de crédito celebradas entre as rés e entre a ré Atlântico e quaisquer outras cedentes, nos casos em que os supostos devedores não tiverem sido regularmente notificados, bem como de condenação das rés ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.
Condeno, por fim, as rés ao pagamento das custas e despesas processuais por terem sido vencidas na maior parte dos pedidos, ficando isentas, porém, do pagamento de honorários advocatícios, por ser o Ministério Público o autor da ação. P.R.I. São Paulo, 23 de agosto de 2011. (proc nº 2010.138173-6)
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