04/01/2011

DIREITO DE FAMÍLIA

Família - Negativa de paternidade - Retificação de assento de nascimento - Alimentos - Vício de consentimento não comprovado - Vínculo de parentalidade - Prevalência da realidade socioafetiva sobre a biológica. Reconhecimento voluntário da paternidade, declaração de vontade irretratável. Exegese do art. 1.609 do CCB/2002. Ação improcedente, sentença mantida. Apelação desprovida (TJRS - 8ª Câm. Cível; ACi nº 70035984046-Getúlio Vargas-RS; Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos; j. 24/6/2010; v.u.).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os Autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à Apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os Ems. Srs. Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e Alzir Felippe Schmitz.

Porto Alegre, 24 de junho de 2010

Luiz Ari Azambuja Ramos
Relator

RELATÓRIO
Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos (Relator): trata-se de Recurso de Apelação interposto por ..., de sentença que julgou improcedente a Ação Negatória de Paternidade movida contra ..., sob o fundamento de que a paternidade socioafetiva restou delineada, bem como de que a existência de erro ou falsidade no registro não restou demonstrada.

Em suas razões alega, em síntese, que não é o pai biológico do apelado, inexistindo paternidade socioafetiva entre o suposto pai e filho. Assevera que foi induzido em erro ao efetuar o registro do recorrido. Aduz que somente pode persistir o Registro de Nascimento se comprovada a socioafetividade, o que não é o caso dos Autos. Afirma que as partes conviveram por um breve espaço de tempo, sendo que após a União Estável não manteve qualquer tipo de contato com o menor ou sua mãe, ressaltando que não passa de um pai registral. Pugna, ao final, o provimento da Apelação, para que seja negada a paternidade, anulando-se o registro.

Sem contrarrazões, ciente o Ministério Público na origem, sobem os Autos a este Tribunal.

Nesta Instância, o Dr. Procurador de Justiça, instado a se manifestar, opina pelo desprovimento da Apelação.

Observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO
Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos (Presidente e Relator):

Ems. colegas,

A inconformidade do apelante, “pai de registro” de ..., atualmente com 2 anos e 7 meses de idade (fls. 07), centra-se em negar a paternidade biológica, pretendendo a retificação do assento de nascimento do menor.

Não lhe assiste razão, porém, tal como também alvitra o Parecer Ministerial.

Na verdade, nenhuma dúvida parece haver de não ser o autor efetivamente o pai biológico de ..., consoante comprova a prova genética (DNA - fls. 25).

No entanto, vale consignar que o Registro de Nascimento do menor foi procedido de forma espontânea, em 7/1/2009 (fls. 07). Assim, ainda que a paternidade em relação ao apelado tenha sido afastada pelo exame de DNA, não restou demonstrada a ocorrência de vício substancial em sua manifestação de vontade, quando declarou ser o pai de ... ao proceder ao seu Registro de Nascimento.

Inclusive, conforme bem asseverado no Parecer Ministerial (fls. 60- v), “o próprio demandante afirmou que mantinha bom relacionamento com a genitora do infante e que, no período da gestação, a convivência continuou normalmente, tendo o requerente prestado toda a assistência e cuidados que a gestação requer e dignos de um pai (sic, fls. 03). Em outras palavras: o próprio autor confessa que era o pai do réu, mesmo que socioafetivo”.

Nesta senda, considerando que o reconhecimento da paternidade é um “ato irrevogável e irretratável” (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Tomo 9, p. 101), em regra, impossível se torna a procedência da Ação sem a demonstração inequívoca do vício de consentimento (coação, erro, dolo, simulação ou fraude).

Nada obstante, consoante a doutrina moderna, a paternidade não pode ser vista apenas sob o enfoque biológico, dando expressiva importância à relação genética, devendo também ser sopesada a relação socioafetiva.

Por isso que o reconhecimento voluntário da filiação, pelo pai ou pela mãe, edificado sobre o chamado estado afetivo, torna-se mesmo irretratável, uma vez aperfeiçoado.

Nesse sentido, laboriosa jurisprudência oferece reiterados precedentes:

“Apelação. Negatória de Paternidade. Ausência de erro. Parentalidade socioafetiva. Alimentos. Impossibilidade não demonstrada. Não restou demonstrada a alegação de erro substancial no momento em que a paternidade foi registrada. Ademais, com o tempo, restou configurada a paternidade socioafetiva, que prevalece mesmo na ausência de vínculo biológico. Descabe alterar o valor dos alimentos quando não demonstrada a alegada impossibilidade do alimentante em suportá-lo. Negaram provimento” (AC nº 70012504874; 8ª CC; TJRS; Rel. Des. Rui Portanova; j. 20/10/2005).

“Apelação. Ação Declaratória Negativa de Paternidade. Pai registral. O reconhecimento espontâneo da paternidade por quem suspeita não ser o pai biológico tipifica verdadeira adoção (adoção à brasileira), a qual é irrevogável. Salvo se demonstrada de forma convincente a existência de vício de consentimento, o que inocorreu, carece de ação o autor, descabendo pretender Declaração Negativa de Paternidade. A ordem jurídica e o processo não tutelam abstrações nem servem para dissipar rumores e boatos, mas se prestam para solver controvérsias jurídicas relevantes, eliminando a incerteza objetiva. Negaram provimento, por maioria” (AC nº 70010310233; 8ª CC; TJRS; Rel. Des. Rui Portanova; j. 23/12/2004).

A doutrina também é alentadora, como preleciona MARIA BERENICE DIAS (DIAS, MARIA BERENICE, Manual de direito das famílias, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2005, pp. 435-436):

“Há uma prática disseminada no Brasil - daí o nome eleito pela jurisprudência (adoção à brasileira) - de o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiação (CP, art. 242), não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve sua prática.

Em muitos casos, rompido o vínculo afetivo dos genitores e findo o convívio com o filho, o pai busca a desconstituição do registro por meio de Ação Anulatória ou Negatória de Paternidade, em face da obrigatoriedade de arcar com alimentos. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato levado a efeito de modo espontâneo, por meio da expressão ‘adoção à brasileira’, passou a não admitir a anulação do Registro de Nascimento, considerando irreversível. Não tendo vício de vontade, não cabe a anulação. A lei não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do Registro de Nascimento (1.604). Ainda que dito dispositivo legal excepcione a possibilidade de anulação por erro ou falsidade, não se pode aceitar a alegação de falsidade do registro levada a efeito pelo autor do delito. Assim, o registro de filho alheio como próprio, em havendo o reconhecimento da verdadeira filiação, impede posterior anulação.”

Portanto, diante da ausência de prova que comprometa a espontaneidade do ato registral, não havendo a devida comprovação de vício de consentimento, conforme também assevera o Dr. Procurador de Justiça, tenho como inviável desfazer o vínculo afetivo formado entre o autor e a criança, embora sua pouca idade, preponderando sobre a realidade biológica, de sorte a caracterizar a paternidade socioafetiva.

Ante o exposto, nego provimento à Apelação.

Claudir Fidélis Faccenda (Revisor): de acordo com o Relator.

Desembargador Alzir Felippe Schmitz: tudo indica que o recorrente tinha plena consciência de não ser o pai biológico quando realizou o registro, o que afasta a possibilidade de buscar ele, através de Ação Negatória de Paternidade, o cancelamento do registro.

Só pode intentar ação negatória de paternidade aquele que efetuou o registro consciente da existência de vínculo biológico.

Em vista disso, sem qualquer perquirição acerca da afirmada paternidade socioafetiva, criação com a qual não comungo, pois evidente aberração, uma vez que constitui imposição de paternidade, estou em acompanhar o Em. Relator.

Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos (Presidente) - Apelação Cível nº 70035984046, Comarca de Getúlio Vargas: “negaram provimento à Apelação. Unânime”.

Julgadora de 1º Grau: Sonia Fatima Battiste

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