29/03/2011

JUIZ AUTORIZA ABORTO DE ANENCÉFALO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 0535559-15.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente A. S. D. O, Impetrantes JOSÉ MARIO ARAÚJO DA SILVA, SILVIA APARECIDA NASCIMENTO e SÔNIA MARIA PEREIRA.

ACORDAM, em 11" Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, CONCEDERAM A ORDEM, PARA AUTORIZAR A REALIZAÇÃO DO ABORTO, VENCIDA A 3a JUÍZA. ACÓRDÃO COM O 2o JUIZ.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ABEN-ATHAR, vencedor, XAVIER DE SOUZA (Presidente), vencido, XAVIER DE SOUZA (Presidente) e MARIA TEREZA DO AMARAL.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2011.

ABEN-ATHAR
RELATOR DESIGNADO
 
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
1 I a CÂMARA - SEÇÃO CRIMINAL
 
VOTO n°: 13688
HABEAS CORPUS n°: 0535559-15.2010.8.26.0000
COMARCA : São Paulo
IMPETRANTE : Silvia Aparecida Nascimento e outro
PACIENTE : A. S. d. O.

Vistos.
 
Trata-se de habeas corpus impetrado pelas advogadas Silvia Aparecida Nascimento e Sônia Maria Pereira em favor de A. S. D. O.

Alegam as impetrantes, em suma (com pedido liminar e considerações de mérito), que a paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal em razão do indeferimento pelo MM Juiz de Direito da I a Vara do Júri desta comarca a Capital, que indeferiu pedido formulado de autorização para interrupção de gravidez, porquanto o feto apresentaria quadro de anencefalia.
Indeferida a liminar (fls. 82/83) e dispensadas as informações da apontada autoridade coatora, veio para os autos parecer da/ doutzsíirocuradoria Geral de Justiça (fls. 90/96), que opina pela denegação da ordem.

É o relatório.

Em primeiro lugar, como a propósito já reconheceu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgando a Apelação Crime n° 70011918026, da comarca de Porto Alegre (Terceira Câmara Criminal - Rei. Desemb. Elba Aparecida Nicolli Bastos), a questão preliminar levantada nessa Sessão sobre a suspensão dos processos e decisões em andamento deferida liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 5o da Lei n° 9882/99, na "Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54-8. interposta pela Confederação dos Trabalhadores em Saúde, com o reconhecimento do direito constitucional das mulheres grávidas antecipar o parto, comprovado tratar-se de fetos anencéfalos. interrompendo, garantindo seus direitos constitucionais", não pode impedir o conhecimento do presente writ, eis que não observado naquele caso quorum a que faz referência o mencionado artigo.

Mesmo que assim não fosse, a r. decisão da Corte Federal, aplicando o preceito legal citado não poderia alcançar data venia medida protetiva deduzida por meio de habeas corpus visando preventivamente o reconhecimento de que não se trataria de crime a interrupção de gravidez de feto portador de anomalia que inviabilizava a vida extrauterina (ainda que o pedido visasse simples autorização para o aborto), porquanto nesse caso estaria havendo clara violação ao disposto no art. 5o , inciso XXXV, da Constituição Federal, verbis:
 
Art. 5o . Omissis:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

No caso parece evidente que se o feto é inviável a vida extrauterina, padecendo como no caso padece aquele que está no útero da paciente de acrania, não pode existir um argumento lógico nem justo no sentido gravidez seja mantida.

Se a paciente voluntariamente quer a interrupção da gravidez, ainda que não encontre uma excludente da antijuridicidade da conduta no Direito Penal, estendida naturalmente aos profissionais técnicos que a auxiliarem nesse mister, naturalmente está protegida pelo fato de não poder ser dela esperada conduta diversa, essa, então, causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por ausência do elemento de reprovação.

Como exigir-se da paciente que carregue no ventre um ser que caso não morra antes mesmo do parto, no curso dos meses que restam para sua formação, como é da sabença técnico/científica e ordinária não viverá mais do que alguns minutos após perder o sustento interno do organismo materno?

Demais, parece evidente que se a lei penal exclui a punibilidade de aborto praticado por médico quando a gravidez resulta de estupro, e é precedido do consentimento da gestante ou de seu representante legal (art. 128, II, do CP), por maior razão não pode ser punido nem o médico nem a gestante quando o aborto envolve feto que, afora a possibilidade de sequer sobreviver à gestação, não tem a menor condição de ser mantido ou de se manter vivo fora do ambiente uterino.

Para o relator, aliás, o próprio direito nacional indiretamente autoriza a interrupção da gestação de feto, como no caso, anencéfalo ou anacrânico, na medida que autoriza pela Lei n° 9434, de 4 de fevereiro de 1997, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento,
desde que precedida de diagnóstico de morte encefálica.

Com efeito, se a morte encefálica pode levar ao desaparecimento do organismo humano que até então existia com a retirada dos orgãos essenciais a sua preservação como tal, assim expressamente o autorizando a lei, naturalmente o feto não dotado de encéfalo, ou, como no caso, anacrânico, po maior razão pode ser eliminado.

O direito de interrupção da gravidez no caso da inviabilidade do feto é, pois, inafastável para a gestante, colocando em risco não só sua higide física, como também psicológica, sendo o habeas corpus inclusive necessário com meio para impedir que, levando a termo seu propósito, venha a paciente a responde por violação à lei penal.

Por maioria de votos, pois, concede-se a ordem para autorizar a realização do aborto.

Aben-Athar
2o Juiz - Relator designado

(Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

28/03/2011

O ESTADO DE SC É CONDENADO A FORNECER MEDICAMENTO A PACIENTE COM DEPRESSÃO

Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Apelação Cível n. 2010.015616-4, de Criciúma

Relator: Des. Newton Trisotto

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE FÁRMACOS – PRESSUPOSTOS DEMONSTRADOS – RECURSO DESPROVIDO

01. "O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – re-presenta consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a es-fera institucional de sua atuação no plano da organiza-ção federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comporta-mento inconstitucional" (AgRgRE n. 271.286, Min. Celso de Mello; RE n. 195.192, Min. Marco Aurélio).

02. Salvo situações excepcionais, nas causas em que é reclamado o fornecimento de remédios, o princípio da proporcionalidade impõe ao juiz o dever de decidir sem detença o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. É dispensável a prévia ouvida da parte contrária e a elabo-ração de perícia, pois, via de regra, as condições de saú-de do paciente não permitem o protraimento da deci-são para que sejam resolvidas as questões de fato que normalmente são suscitadas (AC n. 2009.047192-1, Des. Newton Trisotto).

03. "'O medicamento, ainda que não padronizado, de-ve ser fornecido gratuitamente pelo Estado, se compro-vada a necessidade do paciente. (AC n. 03.028469-9, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 24.2.04)' (MS n. 2003.025751-9, Des. Pedro Manoel Abreu)" (AC n. 2008.049625-0, Des. Newton Trisotto).

04. "Só o fato de o medicamento ter sido receitado conduz à presunção de ser necessário ao tratamento do paciente; apenas prova ou fortes indícios poderiam elidi-la" (AI n. 2007.060614-0, Des. Newton Trisotto).

05. "A assistência à saúde prevista no art. 196 da Constituição Federal, e repetida na legislação infracons-titucional, não implica no dever de custeio, pelo Estado, de todo e qualquer serviço de saúde. O acesso universal e igualitário deve se dar em relação àqueles procedimen-tos, remédios e tratamentos eleitos pelo Poder Público como indispensáveis, escolhas estas realizadas tendo em vista os problemas de saúde que a população enfren-ta e os recursos disponíveis. Tratando-se de remédios cujo fornecimento está 'padronizado', não se pode exigir do postulante nada mais que a prova da necessidade para obrigar-se o Estado (União, Estados e Municípios) a cumprir aquilo que a si mesmo já anteriormente impôs" (AI n. 2008.015036-1, Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva).

06. "O Sistema Único de Saúde, por imperativo legal, deve incluir no seu campo de atuação a execução de ações direcionadas à assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (Lei n. 8.080/90, art. 6º, inc. I, alí-nea 'd').

O medicamento, ainda que não padronizado, uma vez demonstrada a necessidade do paciente, deve ser forne-cido gratuitamente pelo Estado, entendendo-se este em todos os seus níveis - federal, estadual e municipal" (AI n. 2007.050772-5, Des. Luiz Cézar Medeiros).

07. "Ocorrendo obrigação solidária das três esferas governamentais da Federação, quanto à garantia de pro-teção à saúde dos cidadãos, a obrigação de fornecer medicamentos necessários e adequados poderá ser exigida de um ou de todos os entes, como no caso dos autos, do Estado de Santa Catarina" (AC n. 2008.070756-2, Des. Jaime Ramos).

08. "Não caracteriza julgamento 'extra petita' a substi-tuição de medicamento pleiteado na inicial por outro in-dicado pelo perito médico judicial, com menor custo para o Estado e similar efeito terapêutico" (AC n. 2008.070269-6, Des. Jaime Ramos).

09. "Vencedora ou vencida a Fazenda Pública, os ho-norários advocatícios devem ser fixados com moderação (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º), sem, contudo, envilecer o traba-lho do advogado" (AC n. 2005.020016-2, Des. Newton Tri-sotto).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.015616-4, da Comarca de Criciúma (2ª Vara da Fazenda), em que é apelante o Estado de Santa Catarina e apelada Jaqueline da Silva Deodato:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso, tão somente para reduzir o valor da multa para R$ 100,00 (cem reais). Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

J. d. S.D. ajuizou "ação ordinária" contra o Estado de Santa Catarina.

Apresentadas a contestação (fls. 48/63) e a réplica (fls. 76/87), o Ju-iz Rogério Mariano do Nascimento prolatou a sentença. Pelas razões a seguir reproduzidas, julgou procedente a pretensão da autora e condenou o réu a men-salmente lhe fornecer "através do Sistema Único de Saúde – SUS do Município de Criciúma, os medicamentos Apraz (3 caixas com 20 comprimidos), Geodon (uma caixa com 30 comprimidos), Cymbalta (uma caixa com 28 comprimidos), e, ainda, um dos seguintes medicamentos, à escolha do requerido: Aradois 50, Losartam 50 ou Zorpum 50, enquanto durar o tratamento", e, ainda, a pagar os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais):

"Trata-se de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela em que a autora requer a condenação do Estado de Santa Catarina ao fornecimento dos medicamentos Apraz, Geodon, Cymbalta, Topamax 100, Disitinex 0,5mg, e, a-inda, de um dos seguintes medicamentos, à escolha do requerido: Aradois 50, Losartam 50 ou Zorpum 50.

Consoante estabelecem o art. 196 da Constituição Federal e o art. 153 da Constituição Estadual, 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de do-ença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e servi-ços para sua promoção, proteção e recuperação'.

O art. 198 da Constituição Federal, por sua vez, dispõe que 'as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] II – atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais'.

A Lei n. 8.080/90, ao regular o Sistema Único de Saúde – SUS e dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como organização e funcionamento dos serviços a ela correspondentes, estabe-lece, ainda, em seu art. 6º, que 'estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I – a execução de ações: [...] d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica'.

Na sequência, em seu art. 7º, a referida norma dispõe que 'as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo a-inda aos seguintes princípios: I – universalidade de acesso aos serviços de saú-de em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, enten-dida como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defe-sa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; [...]'.

Assim, sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, não pode o Po-der Público eximir-se de prestar integral e universal assistência à manutenção da vida de seus cidadãos, de modo que, comprovada a doença e a impossibili-dade financeira da requerente de arcar com os custos dos medicamentos dos quais necessita, não pode o Estado negar-lhe o fornecimento.

Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.

1. Esta Corte tem reconhecido que os portadores de moléstias graves, que não tenham disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, têm o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes.

2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municí-pios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade soci-al, garantindo a 'universalidade da cobertura e do atendimento' (art. 194, pa-rágrafo único, I). (STJ. RMS 17425/MG. Rel. Min. Eliana Calmon. J. em 14.09.04)

No caso em tela, a doença que acomete a autora e a necessidade dos medicamentos pleiteados para o tratamento correspondente são fatos incontro-versos nos autos, tendo o ente público demandado se limitado a aduzir que o alegado direito à saúde encontra-se condicionado à elaboração de políticas sociais e econômicas e que os fármacos pretendidos não constam na Relação Nacional de Medicamentos (Rename), motivo pelo qual não podem ser conce-didos.

Ademais, o laudo pericial de fls. 41, em que constam as respostas aos quesitos formulados pela requerente, confirma que a mesma sofre de 'Transtor-no depressivo recorrente de leve a moderado CID F33.0 e transtorno de perso-nalidade emocionalmente instável tipo boderlin CID F 60.31' (quesito n. 1), sen-do a medicação reclamada indicada para seu tratamento (quesito n. 3).

Dos documentos de fls. 89/95, não impugnados, extrai-se, ainda, que no curso do processo houve modificação na dosagem do medicamento Topamax, além da prescrição de novos medicamentos à autora, dada a alteração de seu estado de saúde.

Demonstrada também, através dos documentos de fls. 20/21, a insuficiên-cia de recursos da requerente para custear o referido tratamento, eis que a mesma percebe mensalmente benefício previdenciário no valor de R$757,87 (setecentos e cinquenta e sete reais e oitenta e sete centavos), enquanto o cus-to do tratamento é de cerca de R$900,00 (novecentos reais) (fls. 41, quesito n. 6), restando demonstrados, portanto, os requisitos necessários para o deferi-mento do pedido.

Não merece acolhimento a alegação do réu no sentido de que os disposi-tivos constitucionais relativos ao direito à vida e à saúde possuem caráter me-ramente programático, limitando-se a obrigação do poder público à realização de políticas voltadas ao cumprimento dos objetivos previstos no art. 196 da Constituição Federal, inexistindo, portanto, direito subjetivo dos cidadãos ao re-cebimento gratuito de qualquer medicamento.

Isso porque, conforme decisão proferida nos autos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271286, 'o caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasi-leiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergá-vel dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que de-termina a própria Lei Fundamental do Estado' (STF. AgRgRE 271286/RS. Rel. Min. Celso de Mello. J. em 12.09.00).

Deve ser igualmente afastada a alegação de que o ente público está obrigado a disponibilizar tão-somente os medicamentos constantes no RENAME, pois 'estabelecida a premissa de que a União, os Estados e os Muni-cípios são solidariamente responsáveis por fornecer medicamentos àqueles que os solicitarem (AgRgAI n. 886.974, Min. João Otávio de Noronha; AgRgAI n. 858.899, Min. José Delgado; AgRgAI n. 842.866, Min. Luiz Fux), não há como exonerar o município [in casu, o Estado] dessa obrigação, mesmo a pretexto de o medicamento não constar da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), definida pelo Ministério da Saúde, ou de ser de elevado custo. Ade-mais, só o fato de o medicamento ter sido receitado conduz à presunção de ser necessário ao tratamento do paciente; apenas prova ou fortes indícios poderiam ilidi-la' (TJSC. AI n. 2007.025219-8. Rel. Des. Newton Trisotto. J. em 12.05.08).

Destarte, tratando-se o caso sub judice de causa cuja natureza é a prote-ção da saúde e da vida da autora, e restando comprovadas a necessidade dos medicamentos e a insuficiência de recursos da requerente para adquiri-los, é evidente que o pleito deve ser acolhido" (fls. 137/142).

Não se conformando com o veredicto, o réu interpôs apelação. Pre-liminarmente, insistiu no pedido de chamamento da União ao processo. Em se-guida, suscitou a nulidade do processo pois "extra petita" a sentença e porque foi-lhe cerceado o direito de defesa. Quanto ao mérito, reeditando argumentos expendidos na contestação, insiste que: a) "o Judiciário não pode simplesmente substituir a Administração na execução de políticas públicas (art. 2º da Constitui-ção Federal – princípio da independência dos poderes), só devendo atuar na pre-sença de conflito entre o interesse do jurisdicionado e a manifestação do Poder Público"; b) "muito embora seja assente que a saúde seja direito de todos e de-ver do Estado, esse direito não é absoluto e nem tampouco irrestrito, devendo ser garantido por meio da formulação de políticas públicas, ações de promo-ções, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e atividades preventivas, conforme o art. 196 da CRFB, no que é seguido pelas disposições da Lei Federal 8.080/90, especialmente do artigo 2º [...]. Assim, ao contrário do que vem sendo afirmado constantemente pelo Poder Judiciário, inexiste direito subjetivo do cidadão ao recebimento gratuito de qual-quer medicamento, tratamento ou aparelho médico-hospitalar de que necessite para melhorar se estado de saúde ou sua qualidade de vida, limitando-se a obri-gação do poder público na realização de políticas voltadas ao cumprimento dos objetivos previstos no artigo 96 e artigo 5º da Lei 8.080/90. Aliás, não se conhece país no mundo que pratique política pública de saúde de forma irrestrita, princi-palmente quanto ao fornecimento gratuito de medicação. A prioridade de qual-quer política de saúde no fornecimento de medicamentos, mormente os de alto custo, deve ser criteriosa sob todos os aspectos de custeio e de resultados"; c) "para concretizar o que determina a Constituição e a Lei 8.080/90 o Ministério da Saúde criou uma política específica para a dispensação de medicamentos, qual seja, a Política Nacional de Medicamentos (Portaria 3.916/98 GM, de 23.07.02) onde estão padronizados, por meio do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos), diversas drogas para o tratamento de uma infinidade de doen-ças. [...] A Portaria 1.318/2002 do Ministério da Saúde, a seu turno, padronizou os medicamentos excepcionais/alto custo, e contempla tratamento para diversas doenças que necessitam de tratamento contínuo"; d) "revela-se imprescindível que a parte apelada apresente receita assinada por médico vinculado ao SUS ou que comprove ter sido atendida por profissional vinculado ao SUS. Tal fato não ocorreu in casu, nem foi levado em consideração pelo magistrado a quo"; e) "é indispensável, como providência de contra-cautela, que o beneficiário dessa ação comprove periodicamente – MENSALMENTE – a persistência das condi-ções que fundamentaram o pedido, apresentando receita atualizada à gerência de saúde que lhes entregar o medicamento, a bem de se velar higidez do patri-mônio público. Gize-se a legitimidade da preocupação em apenas entregar os fármacos enquanto comprovadamente presentes as razões que determinaram a expedição da ordem judicial. E a apresentação de receita médica cumpre satisfa-toriamente essa finalidade, pois dela, no mínimo, avultam a necessidade e a utilidade do remédio". No caso de ser mantida a condenação, requer a diminuição do arbitramento dos honorários advocatícios (fls. 145/165).

O recurso foi respondido (fls. 178/183).

VOTO

01. Reafirmo e ratifico as teses enunciadas nos acórdãos cujas ementas são a seguir reproduzidas:

"'O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a es-fera institucional de sua atuação no plano da organização federativa bra-sileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da popu-lação, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional' (AgRgRE n. 271.286, Min. Celso de Mel-lo; RE n. 195.192, Min. Marco Aurélio)" (AI n. 2008.006645-9).

"'O medicamento, ainda que não padronizado, deve ser fornecido gratuitamente pelo Estado, se comprovada a necessidade do paciente. (AC n. 03.028469-9, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 24.2.04)' (MS n. 2003.025751-9, Des. Pedro Manoel Abreu)" (AC n. 2008.049625-0).

"'Fixada a premissa, por um raciocínio lógico, não está o juiz ou o órgão fracionário do Tribunal obrigado a examinar as demais teses susci-tadas pela parte que com ela sejam incompatíveis' (EDREsp n. 231.651, Min. Vicente Leal; Resp n. 255.294, Min. Francisco Peçanha Martins; Resp n. 243.709, Min. Aldir Passarinho Junior; EDAC n. 1996.006076-6, Des. Francisco Oliveira Filho; EDAC n. 1996.003009-3, Des. Trindade dos Santos)" (EDMS n. 2003.023008-4/0001.00).

"Só o fato de o medicamento ter sido receitado conduz à presunção de ser necessário ao tratamento do paciente; apenas prova ou fortes in-dícios poderiam elidi-la" (AI n. 2007.060614-0).

"A astreinte constitui meio coercitivo de cumprimento de decisão judicial (CPC, art. 461, § 4º). Não há óbice à sua imposição contra a Fa-zenda Pública, sendo co-responsável pelo seu pagamento a autoridade que descumprir a ordem judicial" (AI n. 2005.018894-5).

"A assistência à saúde prevista no art. 196 da Constituição Federal, e repetida na legislação infraconstitucional, não implica no dever de cus-teio, pelo Estado, de todo e qualquer serviço de saúde. O acesso uni-versal e igualitário deve se dar em relação àqueles procedimentos, remé-dios e tratamentos eleitos pelo Poder Público como indispensáveis, esco-lhas estas realizadas tendo em vista os problemas de saúde que a popu-lação enfrenta e os recursos disponíveis. Tratando-se de remédios cujo fornecimento está 'padronizado', não se pode exigir do postulante nada mais que a prova da necessidade para obrigar-se o Estado (União, Es-tados e Municípios) a cumprir aquilo que a si mesmo já anteriormente im-pôs" (AI n. 2008.015036-1, Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva).

"O Sistema Único de Saúde, por imperativo legal, deve incluir no seu campo de atuação a execução de ações direcionadas à assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (Lei n. 8.080/90, art. 6º, inc. I, alínea 'd').

O medicamento, ainda que não padronizado, uma vez demonstrada a necessidade do paciente, deve ser fornecido gratuitamente pelo Esta-do, entendendo-se este em todos os seus níveis - federal, estadual e municipal" (AI n. 2007.050772-5, Des. Luiz Cézar Medeiros).

"Ocorrendo obrigação solidária das três esferas governamentais da Federação, quanto à garantia de proteção à saúde dos cidadãos, a obri-gação de fornecer medicamentos necessários e adequados poderá ser exigida de um ou de todos os entes, como no caso dos autos, do Estado de Santa Catarina" (AC n. 2008.070756-2, Des. Jaime Ramos).

As ementas são autoexplicativas e nada lhes seria necessário acrescentar; com as teses enunciadas são incompatíveis os argumentos deduzi-dos pelo apelante. Apenas anoto que:

a) há prova de que a autora necessita do medicamento reclamado (fls. 13/18 e 89/95);

b) "não caracteriza julgamento 'extra petita' a substituição de medi-camento pleiteado na inicial por outro indicado pelo perito médico judicial, com menor custo para o Estado e similar efeito terapêutico" (AC n. 2008.070269-6, Des. Jaime Ramos);

c) salvo situações excepcionais, nas causas em que é reclamado o fornecimento de remédios, o princípio da proporcionalidade impõe ao juiz o dever de decidir sem detença o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. É dispen-sável a prévia ouvida da parte contrária e a elaboração de perícia, pois, via de regra, as condições de saúde do paciente não permitem o protraimento da deci-são para que sejam resolvidas as questões de fato que normalmente são susci-tadas (AC n. 2009.047192-1, Des. Newton Trisotto).

Todavia, há pleito formulado pelo apelante que deve ser atendido: o valor da multa (astreinte) mostra-se demasiadamente elevado; é necessária a sua redução.

d) pede que sejam reduzidos os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Não lhe assiste razão. Os parâmetros dos §§ 3º e 4º do art. 20 do Código de Processo Civil foram observados.

Insisto: "Vencedora ou vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios devem ser fixados com moderação (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º), sem, contudo, envilecer o trabalho do advogado" (AC n. 2005.020016-2, Des. Newton Trisotto).

02. À vista do exposto, dou provimento parcial ao recurso, tão so-mente para reduzir o valor da multa para R$ 100,00 (cem reais).

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, deram provimento parcial ao recurso, tão somente para reduzir o valor da multa para R$ 100,00 (cem reais).

Participaram do julgamento, realizado no dia 9 de dezembro de 2010, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Vanderlei Romer e Sérgio Roberto Baasch Luz.

Florianópolis, 25 de janeiro de 2011

Newton Trisotto

RELATOR

16/03/2011

SENTENÇA FAVORÁVEL CONTRA O BANCO BRADESCO POR PROTESTO INDEVIDO DE CHEQUE E NEGATIVAÇÃO DO NOME NO SERASA

Vistos. F. P. D. J. M. ajuizou a presente ação DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO c.c. CANCELAMENTO DE PROTESTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em face de BANCO BRADESCO S/A e outros, qualificados nos autos, objetivando: a) desconstituir cinco cheques que impugna, pois sobre eles já havia solicitado oposição ou sustação de pagamento e b) ressarcir-se dos danos morais que suportou com os indevidos protesto e negativação do seu nome. Indeferida a antecipação de tutela e extinto o processo no que concerne à Mineração Europa (fls. 29), o Bradesco - citado (fls. 30) - ofertou contestação (fls. 31/42). Sustenta que o autor não provou ter solicitado a sustação dos títulos. Ele estava inadimplente e por isso foi negativado e protestado. Agiu no exercício regular de um direito, sem culpa. Inexiste dano moral. Discorre sobre critérios de liquidação. Pede a improcedência. Houve réplica (fls. 44/50). Determinada a especificação de provas (fls. 51), apenas o autor se manifestou (fls. 53). É a síntese do necessário. Fundamento e DECIDO. A presente ação comporta julgamento antecipado, porquanto a solução da matéria independe de dilação probatória, ex vi do art. 330, I, do Código de Processo Civil. Procede, em parte, o pedido. Com efeito, independentemente da relação causal primária, a que determinou a emissão das cártulas, e das nuances que permearam a aquisição - pelo Bradesco - mediante endosso translativo de títulos administrativos, o fato é que em agosto de 2009 o autor já tinha formulado OPOSIÇÃO OU SUSTAÇÃO DE PAGTO DE CHEQUES (fls. 10, 12, 14, 16 e 18). Observe-se, a propósito, que todas as apresentações a protesto datam de 22.12.2009 (fls. 11, 13, 15, 17 e 19), ou seja, antes que se tivesse uma definição sobre o interesse expressamente manifestado pelo consumidor. Força é concluir, nesta quadra, que o Bradesco não observou os deveres de colaboração e de cuidado, laterais à boa fé-objetiva (vetor do mínimo ético exigível); daí a sua responsabilidade. Incide, in casu, a teoria do risco integral, fundada na livre iniciativa , que relega ao empreendedor, de modo exclusivo, o ônus da atividade econômica lucrativa explorada no mercado, tanto é que o dever de indenizar surge independentemente da existência de culpa. O que acontece é que o CDC, dando continuidade, de forma coerente, à normatização do princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, preferiu que toda a carga econômica advinda do defeito recaísse sobre o prestador do serviço. Se a hipótese é de caso fortuito ou de força maior e em função disso o consumidor sofre acidente de consumo, o mal há de ser remediado pelo prestador do serviço. Na verdade o fundamento dessa ampla responsabilização é, em primeiro lugar, o princípio garantido na Carta Magna da liberdade de empreendimento, que acarreta direito legítimo ao lucro e responsabilidade integral pelo risco assumido. E a Lei nº 8.078, em decorrência desse princípio, estabeleceu o sistema de responsabilidade civil objetiva, conforme já visto. Portanto, trata-se apenas de questão de risco do empreendimento. Aquele que exerce a livre atividade econômica assume esse risco integral. É dizer: se os lucros não são divididos com os consumidores, os riscos também não podem ser. Vem a talho de foice, neste passo, a doutrina de Cláudia Lima Marques. Ei-la: A manifestação de vontade do consumidor é dada almejando alcançar determinados fins, determinados interesses legítimos. A ação dos fornecedores, a publicidade, a oferta, o contrato firmado criam no consumidor expectativas, também, legítimas de poder alcançar estes efeitos contratuais. (...) No sistema do CDC leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera, irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado. Observe-se, por oportuno, que o intérprete soberano da legislação federal já avaliou a responsabilidade do fornecedor decorrente da quebra da confiança do consumidor. Anote-se: O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica o inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa. O dano, na espécie, é in re ipsa, que dispensa prova de maiores reflexos, patrimoniais ou morais. O dever de indenizar decorre simplesmente da falha do serviço prestado e da quebra da justa expectativa do autor, exposto às práticas comerciais adotadas pelo réu. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo concreto. Como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorrente da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa. Mister se faz, neste passo, trazer à colação o magistério de Carlos Alberto Bittar. Vejamo-lo: Despreza-se, assim, a investigação do subjetivo do ofensor (dolo ou culpa), visto que basta a lesão em si mesma. Evidenciada a conduta lesiva, ou definida objetivamente sua repercussão negativa, surge a obrigação de reparar. O dano moral existe no próprio fato violador dos direitos da personalidade da vítima (ex facto), impondo a necessidade de resposta, que na reparação se efetiva. É o que se denomina damnum in re ipsa. A situação se agrava, como não poderia deixar de ser, quando os títulos questionados pelo emitente são protestados, levando seu nome a rol de inadimplentes, fato violador suficiente para amparar a reparação moral. Já assentou a Corte, em monótona jurisprudência, que provado o fato que gerou o dano moral, no caso, a inscrição indevida em cadastro negativo, impõe-se a condenação. A exigência da prova do dano moral satisfaz-se com a demonstração do indevido protesto do título e da irregular inscrição no cadastro de proteção ao crédito. Daí porque devem ser cancelados o ilegítimo gravame e, por isso, neste capítulo - sem embargo do que já se decidiu sobre a matéria durante a instrução (fls. 29) - a sentença tem eficácia imediata, como forma de antecipação da tutela. A antecipação da tutela pode ser deferida quando da prolação da sentença, sendo que em tais hipóteses, a apelação contra esta interposta deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à parte em que foi concedida a tutela. Precedentes. Cumpre, agora, definir o quantum debeatur. Afigura-se-me razoável - principalmente considerando a dinâmica fática verificada, inadmissível para um banco do porte do Bradesco - estimar a indenização extrapatrimonial em R$ 19.580,00, exato montante levado a protesto. Prestigia-se, in casu, a função punitiva (intimidativa) da indenização, ou seja, a teoria do desestímulo. Assevera, a propósito, Pedro Frederico Caldas: (...) a reparação do dano moral acaba sendo integrada por dois fatores de suma importância, um deles reside no caráter punitivo e o outro, no caráter compensatório. O caráter punitivo visa, acima de tudo, a irrogar ao agente violador uma verdadeira pena, que em última análise serve de fator inibitório a novas práticas. A correção monetária é devida de hoje , enquanto os juros de mora (1% a.m.), legais , tratando-se de responsabilidade contratual , fluem da citação (04.11.2010 - fls. 30). No entanto, per se, isto não implica a nulidade dos títulos, visto que as relações de crédito/débito mantidas entre as partes - se interesse houver - podem ser equacionadas em sede própria, em especial porque Fernando não contrasta a autoria dos saques. O mais não pertine. Ex positis, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido a fim de: a) CONDENAR o Banco Bradesco S/A ao pagamento de R$ 19.580,00 para reparar os danos morais causados ao autor pela prematuridade das medidas restritivas adotadas; b) CANCELAR as negativações e os protestos que seu nome suportou. A correção monetária incide de 14.03.2011 e os juros de mora (1% a.m.) fluem 04.11.2010. Como o autor decaiu de parte mínima do seu pedido, por inteiro, arca o réu com as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor total da condenação. Sem prejuízo dos recursos voluntários, desde já, como forma de antecipação de tutela, oficie-se à SERASA, ao SCPC e ao 10º Tabelião de Protestos de São Paulo solicitando, salvo requisição judicial, o imediato levantamento da publicidade das restritivas que envolvem os cheques objeto (fls. 03). Transitada em julgado, oficie-se para o cancelamento definitivo. P. R. I. C. (proc nº 2010/154853). 

02/03/2011

COMPRA DE CELULAR PELA INTERNET - DEFEITO

Decisão Favorável fundamentada no Código de Defesa do Consumidor a uma Consumidora que adquiriu um Celular pela Internet que após a aquisição apresentou defeitos.

" Vistos. A. L. B. S. ajuizou ação de indenização contra B2W - COMPANHIA GLOBAL DO VAREJO (atual denominação da Americanas.com). Sustenta a autora, em síntese, que, em 09/06/2010, adquiriu da ré, com o concurso da internet, um aparelho de telefone celular da marca LG - MG377 azul, pagando o preço de R$ 139,00. Desde o início, referido aparelho mostrou-se defeituoso, não recebendo nem fazendo ligações. Mesmo diante do vício de qualidade, recusou-se a ré a trocá-lo, pesem as insistente reclamações. Com tal fundamento, pede a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material, consistente na substituição do bem por outro ou na devolução do preço, e por danos morais. .......

É o relatório. Decido. Impõe-se, in casu, o julgamento antecipado da lide, com fundamento no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria tratada é de direito e de fato, sendo suficiente a prova documental já produzida. A questão versa sobre responsabilidade civil do fornecedor pelos vícios de qualidade ou quantidade do produto ou do serviço, nos termos do artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor. Em suma, alega-se a presença de vício de qualidade em aparelho de telefone celular adquirido pela autora da ré, por intermédio da internet. Em princípio, não se discute a pertinência subjetiva da ré. De fato, estabelece o artigo 13 do aludido diploma legal que o comerciante apenas é responsabilizado - responsabilidade civil subsidiária - nas hipóteses retratadas nos seus incisos, dentre as quais se contempla a falta de identificação do produtor do bem destinado ao consumo. No entanto, como se infere da própria sistematização adotada pelo legislador, a previsão ali contida refere-se, expressamente, ao disposto no artigo 12, que cuida da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Fala- se, no caso, dos danos decorrentes de defeito apresentado pelo produto ou serviço. De outra sorte, a pretensão indenizatória deduzida origina-se em vício de qualidade do produto ou do serviço, regulamentada no artigo 18 da mesma legislação, inserido no capítulo que trata da responsabilidade por vício do produto e do serviço. E, para o caso, estabeleceu-se responsabilidade solidária dos fornecedores dos produtos de consumo duráveis ou não duráveis ("caput", do referido dispositivo legal). Buscou- se, aqui, facilitar ao consumidor a reparação dos danos decorrentes de vícios de qualidade do produto adquirido, permitindo-lhe, desde logo, voltar-se contra aquele com quem manteve relação jurídica de direito material, independentemente de toda a cadeia que levou à produção do bem que lhe fora alienado, sem prejuízo, evidentemente, do direito de regresso. Abordando o tema, esclarece Zelmo Denari que "por um critério de comodidade e conveniência o consumidor, certamente, dirigirá sua pretensão contra o fornecedor imediato, quer se trate de industrial, produtor, comerciante ou simplesmente prestador de serviços" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Ada Pellegrini Grinover em co-autoria, 5ª ed., 1997, Forense, p. 168). Diante da solidariedade decorrente de lei, tem-se por correta o ajuizamento da demanda em face da ré, à medida que com ela celebrou a autora contrato de compra e venda, tendo por objeto bem móvel entregue com vício de qualidade. No mais, os elementos de convicção produzidos, com especial destaque para a prova pericial, autorizam concluir pela presença de significativo vício de qualidade no bem adquirido, de sorte a inviabilizar o uso a que se destinava. Quanto a esse aspecto, vale ressaltar que a própria ré, em sua contestação não negou a presença do vício de qualidade do aparelho de telefone vendido. Tanto é que na narrativa feita sustentou a inviabilidade da troca por não dispor de bem do mesmo gênero para pronta entrega. Evidente que esta alegação não pode ser oposta ao consumidor, notadamente em se tratando de bens de consumo de produção padronizada. Assim, definida a responsabilidade civil da ré, na condição de fornecedora, impõe-se o exame da indenização pretendida. Na esfera do dano material, mostra-se mais adequado o pedido de restituição do preço pago, uma das opções previstas no citado art. 18 e incisos, do CDC. Tendo em vista o desgaste de relacionamento, não se mostra eficaz a condenação da ré à substituição do produto por outro. Caracterizado, também, o dano moral pretendido. É bem verdade que o reconhecimento dessa modalidade de dano, merece, contudo, alguns cuidados. Deve-se proceder com cautela na valoração dos sentimentos experimentados pela vítima, evitando-se, assim, o denominado processo de industrialização do dano moral. Como ensina Sérgio Cavalieri Filho, "só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar" (Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., 2ª tiragem, 1999, Malheiros Editores, p. 76). Na hipótese, a autora não se sujeitou ao simples dissabor decorrente da inexecução do contrato pela fornecedora, situação que não enseja indenização. Muito pelo contrário, teve de se sujeitar ao péssimo atendimento proporcionado pela ré, diante de reclamação feita em virtude da presença de vício de qualidade no bem adquirido. Em suma, a ré não agiu com o cuidado e diligência quando instada para solucionar um simples problema diretamente ligado à relação de consumo. Esse comportamento mostrou-se, inclusive, contraditório com o mantido na fase pré-contratual, quando, pela via eletrônica, oferece seus produtos ao mercado consumidor. Evidente que esse péssimo atendimento gerou aborrecimento acima do normal, compatível com a definição de dano moral. Assim, considerando a intensidade do sentimento ora retratado, que não teve maiores desmembramentos, bem como a necessidade de se tentar evitar a repetição de comportamentos como o praticado pela ré, toma-se por razoável o arbitramento da respectiva indenização em R$ 3.000,00 (três mil reais). Ante o exposto e de tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação para impor à ré as seguintes condenações: a) restituir o preço pago pela autora para a aquisição do aparelho de telefone celular defeituoso, corrigido monetariamente pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, contados do desembolso; b) pagar à autora, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), atualizada a partir dessa sentença e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação. Em razão da sucumbência, arcará a ré com as custas judiciais e despesas processuais, corrigidas a partir do desembolso, bem como com os honorários advocatícios que, nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC, arbitro em 20% do valor da condenação ao pagamento de quantia certa, devidamente atualizada. P.R.I.C. São Paulo, 24 de fevereiro de 2011. (processo nº 583.00.2010.160973-8).