03/09/2014

DECISÃO FAVORÁVEL – CLONAGEM DE CARTÃO DE CARTÃO DE CREDITO

DECISÃO FAVORÁVEL – CLONAGEM DE CARTÃO DE CARTÃO DE CREDITO – DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DÍVIDA E DANOS MORAIS PELA COBRANÇA INDEVIDA EM RAZÃO DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS - FALTA DE SEGURANÇA – SERVIÇO DEFEITUOSO


VISTOS, ETC. L. F. D. A., qualificada na inicial, ajuizou, com supedâneo na Constituição Federal, no Código Civil de 2002 e na Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS MORAIS contra o BANCO CITICARD S/A., igualmente qualificado, aduzindo, em epítome do essencial, que, na condição de titular, há mais de 06 (seis) anos, do cartão de crédito nº 5448.2970 .02006.7206 - Credicard Master Gold, que lhe foi ofertado e é administrado pela instituição bancária ora acionada, foi surpreendidda, ao receber a fatura com vencimento em 05 de outubro de 2012, com os registros de inúmeras compras feitas em lojas distintas no dia 24 de agosto daquele ano, mas que, todavia, não o foram com toda certeza por si, as quais atingiram um valor cabalmente incompatível com a sua realidade financeira, no caso, o montante de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), tendo esclarecido que sempre utilizou o cartão de maneira correta, segura e parcimoniosa, bem assim como que nunca o perdeu de nenhum modo. Afirmou que solicitou o bloqueio do cartão no dia 02 de outubro, data em que contestou, junto ao Suplicado, a cobrança, naquela data, de 08 (oito) operações realizadas com o seu cartão, tendo pedido providências a respeito junto ao Procon e registrado um Boletim de Ocorrência no 9º Distrito Policial do Carandiru. Asseverou, outrossim, que houve falha no sistema de segurança do banco, pois, além de o seu cartão de crédito haver sido clonado, foi usado para a aquisição de produtos cujos valores superaram em muito o seu limite de compras disponível em 08 de agosto de 2012, que era de R$3.700,00 (três mil e setecentos reais), e, como se não bastasse esse surpreendente contratempo, ele não atendeu os seus reclamos, tanto que não a contactou quer pela via telefônica ou postal, configurando essa sua indiferença e esse seu descaso, à claridade dos ditames e princípios da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dano moral passível de indenização, dano que estimou entre 20 (vinte) e 50 (cinquenta) salários mínimos. Sustentou, ainda, a responsabilidade objetiva do Acionado, que estaria obrigado a criar mecanismos eficientes de proteção de todas as operações que envolvam o uso dos cartões magnéticos por si disponibilizados a seus clientes/consumidores, sobretudo hodiernamente, quando são alardeados aos quatro ventos pelas diversas mídias, as fraudes e golpes perpetrados contra correntistas e usuários de cartões de crédito graças à vulnerabilidade de indigitados mecanismos, não podendo eles arcar com os ônus financeiros advenientes dessas ações ilícitas, sendo elas inerentes aos riscos da atividade econômico-empresarial desenvolvida pelas instituições financeiras. Finalizando, requereu a procedência da demanda, com a consequente declaração de inexigibilidade dos débitos lançados em seu cartão de crédito no dia 08 de outubro de 2012, no importe de R$ 6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), o que sucedeu em decorrência de ter sido objeto de clonagem e utilização por terceiro de má-fé, bem assim como com a condenação do Demandado no pagamento de verba indenitária pelo dano extrapatrimonial que lhe cau sou com sua negligência. Conferiu à causa o valor de R$18.670,00 (dezoito mil, seis-centos e setenta reais).
A exordial veio escoltada pelos documentos encartados a fls. 33/61 deste feito. Mediante a respeitável decisão proferida a fls. 62, este Juízo houve por bem em deferir o pleito antecipatório formulado na peça inaugural, concedendo à Autora o benefício de litigar sob os auspícios da gratuidade processual.
Após ter sido regular e pessoalmente citado pela via postal (cf. fls. 65), o Demandado ofertou, tempestivamente, sua contestação de fls. 67/78, que se fez acompanhar da documentação entranhada a fls. 79/113. Resumidamente, pugnou pelo inacolhimento da pretensão deduzida na prefacial ao argumento de que a Demandante não teria se desincumbido do ônus processual que lhe impõe o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, ou seja, não provou a existência de fato constitutivo do direito subjetivo por si invocado quando da propositura desta actio, principalmente que o seu cartão de crédito foram realmente clonado e utilizada indevida e ilicitamente por outrem, nenhum adminículo probatório tendo carreado a feito que evidenciasse que os seus serviços se mostraram defeituosos ou de que tivesse tido alguma responsabilidade pelo uso indevido do seu cartão de crédito. Por derradeiro, sustentou que não há que se falar in casu de qualquer da-no de natureza extrapatrimonial, sobretudo porque nenhum elemento probatório foi colacionado aos autos pela Promovente que tivesse o condão de demonstrar que algum abalo psicológico ou emocional experimentou em razão da utilização indébita do seu cartão, tendo pleiteado que, na hipótese de não ser esse o entendimento deste Juízo, que o quantum ressarcitório fosse arbitrado com proporcionalidade e razoabilidade.
Em réplica, manifestou-se a Acionante a fls. 139/160, rebatendo a defesa apresentada pelo Suplicado e porfiando em que a res in indicio deducta fosse integralmente acolhida por este Juízo, visto que patente a responsabilidade civil do banco pela clonagem de seu cartão de crédito. Superada a fase procedimental de especificação de provas (cf. fls. 161 e 163/164), os autos, concertados, vieram conclusos para as deliberações de direito (cf. fls. 190).

É o RELATÓRIO do necessário. Passo à FUNDAMENTAÇÃO. O processo comporta julgamento no estado em que se encontra, fazendo-se prescindível qualquer dilação probatória, porquanto as provas enfeixadas e reunidas nos autos, de cunho eminentemente documental, mostraram-se suficientes para que este Julgador formasse, a partir de um juízo adveniente da discricionariedade controlada de que cuida o artigo 130 do Código de Processo Civil, formasse sua convicção acerca da pretensão deduzida na exordial, subsumindo-se o caso vertente, destarte, à hipótese de incidência do artigo 330, inciso I, daquele codex. Consoante jurisprudência pacífica e remansosa de nossos Tribunais, inclusive do egrégio Superior Tribunal de Justiça, "constante dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia" (cf. Agravo Regimental nº 14.952/DF - Relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, tendo o venerando Acórdão sido prolatado em 04 de dezembro de 1991, com improvimento do recurso por votação unânime, publicado o julgamento no Diário da Justiça da União de 03 de fevereiro de 1992, p. 472). Como transparece, imperioso que este Juízo conheça diretamente do pedido inicial, até porque o Demandado, quando do exercício do seu constitucional direito ao contraditório e de defesa (cf. fls. 67/78), deixou de observar o que prescreve o artigo 302 do Estatuto Adjetivo Civil, isto é, não impugnou especificadamente todos os fatos articulados na peça inaugural, dando ensejo à presunção de veracidade daqueles em relação ao quais silenciou, avultando em importância a circunstância de não haver infirmado a clonagem do cartão de cré- dito da Requerente e a alegação desta de que sempre zelou pelo uso adequado e seguro do seu cartão, nunca o tendo perdido de vista. Isso posto, temos que ação é procedente, pese embora a ponderabilidade dos argumentos alinhados pelo Requerido em sua peça contestatória de fls. 67/78. Desde logo, cumpre assentar que o caso vertente está sujeito às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, visto que o vínculo jurídico existente entre as partes litigantes encerra, iniludivelmente, nos expressos termos do artigo 3°, caput e § 2° daquele diploma legal, relação de consumo, já que a outra conclusão não se poderia chegar diante da evidente condição do Requerido de fornecedor de serviço de crédito no mercado de consumo e da Suplicante como consumidora dos mesmos. Em suma, a relação existente entre as partes desavindas é de consumo, estando a espécie, por conseguinte, sob a égide dos princípios e ditames da Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, máxime ao que preceituam os seus artigos 6º, inciso VIII, e 14, que estabelecem, além da indispensabilidade de inverter-se o ônus da prova em favor do consumidor - com vistas à facilitação de sua defesa -, também a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, de modo que não há que se perquirir sobre sua atuação culposa, ou não, no desempenho de sua atividade econômica. No caso específico destes autos, não divisamos, após uma análise atenta da documentação que lhes foi carreada, a materilização de qualquer das causas excludentes da responsabilidade do Requerido, no caso, aquelas particularizadas nos incisos do § 3º daquele preceptivo legal, nem mesmo aquela insculpida no inciso II, relevando assinalar que este Juízo não se convenceu de que a Autora realmente fizera as compras por si contestadas e impugnadas administrativa e judicialmente, mas, ao revés, de que a instituição financeira ora acionada, enquanto administradora do cartão de crédito que lhe disponibilizou - a título oneroso, de bom alvitre sublinhar este pormenor -, não diligenciou (obligatio ad diligenciam) de modo a assegurar a "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais" a que estão sujeitos os seus clientes hodiernamente, cumprindo consignar que a clonagem de cartões magnéticos trata-se de modalidade de fraude deveras frequente nos dias que correm, constituindo prova inequívoca e contundente disso o sem número de ações propostas nesta Vara e nas demais deste Foro Central tendo como causa de pedir acontecimentos semelhantes àquele historiado no libelo, sendo certo que a frequência de atos fraudulentos de tal jaez deve-se, precipuamente, à vulnerabilidade do sistema operacional e informatizado dos bancos e demais instituições financeiras, não se podendo deslembrar e olvidar que é ela inerente aos riscos da atividade econômica por eles desenvolvida no mercado de consumo. De ver-se, nesse passo, que de um singelo passar d'olhos nas faturas juntadas no processo pela Promovente, verifica-se e constata-se, sem nenhuma dificuldade, que ela sempre se utilizou do seu cartão de crédito com segurança e parcimônia, nunca deixando de considerar a sua realidade financeira, fugindo completa e ostensivamente ao seu padrão de consumo as aquisições feitas no dia 08 de outubro de 2012 elencadas e listadas na peça vestibular, as quais atingiram um total de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), o que autoriza a ilação de que foram implementadas por terceiros de má-fé que se prevaleceram da falta de cuidado necessário objetivo do Banco Citicard S/A. no trato com seus clientes e usuários de seus serviços e produtos, vale dizer, da vulnerabilidade do sistema operacional e de segurança do banco, prejudicando, com essa sua omissão, a Demandante. Como se vê, a res in judicio deducta reúne condições de prosperar, inclusive no tocante ao pleito indenizatório, uma vez que perfeitamente intuitivo, pelas regras ordinárias de experiência comum, pela lógica ordinária das coisas (cf. o artigo 335 da Lei Processual Civil), que os contratempos e aborrecimentos que a Suplicante vem arrostando desde que veio a lume a fraude de que foi vítima nos idos de agosto de 2010 desbordam significativamente dos reveses inerentes à vida de relação na contemporaneidade, o que se agrava quando a cessação desses aborrecimentos e transtornos que a vêm fustigando de há muito depende única e excluvisamente da instituição bancária ora demandada, cuja inércia e insensibilidade relativamente a essa situação denota o seu descaso para com os mais comezinhos direitos dos consumidores e das consumidoras de seus produtos e serviços, malferido os princípios da boa-fé objetiva, da confiança, da equidade e da probidade que devem permear e aureolar toda e qualquer negócio jurídico contratual, mormente os de natureza consumerista. A propósito dos danos morais, de ponderar-se que a Constituição Federal de 1988, depois de proclamar que a dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (cf. o seu artigo 1°, inciso III), preceituou que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (cf. o seu artigo 5°, inciso X), inserindo, desse modo, no direito positivo brasileiro, a indenizabilidade e a reparabilidade do dano moral, não remanescendo quaisquer dúvidas de que as normas elencadas no citado artigo 5° são autoaplicáveis e, portanto, de incidência imediata, consoante, aliás, enuncia o inciso LXXVII, § 1º, do mesmo preceptivo constitucional. Como é de sabença geral, antes da sobrevinda da Lex Fundamentalis de 1988, o egrégio Supremo Tribunal Federal só admitia a reparação do dano moral, salvo raríssimas exceções previstas em lei, quando o agente fazia (ação) algo que lhe não era permitido legalmente, ou deixava de fazer (omissão) algo a que estava obrigado juridicamente, atingindo e afetando com sua ação ou omissão o patrimônio do ofendido. Na verdade, o ressarcimento estava limitado ao dano material. Com a instauração da nova ordem constitucional, introduziu-se entre nós o dano moral como fator desencadeante da reparação civil, impendendo que a tradição, em nosso direito, de apenas indenizar materialmente o dano moral ceda diante da expressa previsão constitucional. Anote-se, ainda, que a indenização pelo dano extrapatrimonial funda-se no princípio da responsabilidade civil, razão por que, para sua caracterização, há que se recorrer ao artigo 186 do novel Código Civil, lei de regência do caso sub judice juntamente com a Lei Protetiva do Consumidor, uma vez que o liame vinculatório das partes litigantes, conforme salientado supra, consubstancia, inelutavelmente, relação de consumo. Feita esta breve - porém indispensável - digressão a respeito da necessariedade de indenizar-se o dano moral, cumpre observar que este somente é passível de indenização quando atinge o indivíduo enquanto ser humano, causando-lhe dor, sofrimento, dissabor, desconforto e/ou constrangimento moral e psíquico, sentimentos economicamente inestimáveis e incalculáveis. O dano moral é conceituado por Savatier como "qualquer sofrimento humano que não é causado por perda pecuniária" (cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, Editora Forense, 1995, p. 54). O eminente e festejado jurista pátrio Aguiar Dias, amparado em Minozzi, completa que o dano moral deve ser compreendido como "a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pelas pessoas, atribuída à palavra dor o mais largo significado" (cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., p. 55). Conseguintemente, não é sempre que uma pessoa se sente melindrada ou magoada diante de determinadas situações da vida que fica legitimada a mobilizar a máquina judiciária com o escopo de ver-se ressarcida extra patrimonialmente. Consoante o magistério do insigne e saudoso CARLOS ALBER-TO BITTAR, "cumpre haver ação (comportamento positivo) ou omissão (negativo) de outrem que, plasmada no mundo fático, vem alcançar e ferir, de modo injusto, componente da esfera da moralidade do lesado. Há, em outros termos, um impulso físico ou psíquico de alguém no mundo exterior - ou de outra pessoa ou coisa relacionada, nos casos indicados na lei - que lesiona a personalidade da vítima, ou de pessoa ou coisa vinculada, obedecidos os pressupostos e os limites fixados no ordenamento jurídico. Em termos simples, o agente faz algo que lhe não era permitido, ou deixa de realizar aquilo a que se comprometera juridicamente, atingindo a esfera alheia e causando-lhe prejuízo, seja por ações, gestos, palavras, escritos, ou por meios outros de comunicação possíveis" (cf. Reparação Civil por Danos Morais, Editora RT, São Paulo, 1993, p. 128).
Pois bem, in casu, chegou este Juízo, ao término e ao cabo de um exame percuciente de todo processado, à convicção de que o agasalhamento da pretensão indenizatória deduzida na prefacial era de rigor, sobretudo em função do raciocínio que expendeu nos parágrafos precedentes, raciocínio que o conduziu à certeza de que o não equacionamento, pelo Requerido, até esta parte, do problema com o qual está às voltas a Autora desde que, nos idos de 2012, descobriu que o seu cartão de crédito fora clonado e usado por desconhecidos para a aquisição, aos 24 de agosto daquele ano, de mercadorias junto às lojas discriminadas na peça vestibular (cf. fls. 03), convenceu-se este Julgador de que essa omissão do Suplicado está, sim, de molde a caracterizar dano moral indenizável, sobretudo porque sua a responsabilidade pelo acesso criminoso ao seu sistema operacional, com a consequente viabilização da clonagem do cartão de crédito da Promovente, isto é, a clonagem teve lugar em razão de culpa exclusiva do Acionado, que não se conduziu, no desempenho de sua atividade econômica e empresarial, com o cuidado necessário objetivo (obligatio ad diligentiam) que dele seria legítimo exigir-se no trato com seus clientes/consumidores (exigibilidade de conduta diversa), a fim de que não viessem a sofrer qualquer tipo de prejuízo. É evidente que a empreitada delituosa que vitimou a Autora não teria sido exitosa na eventualidade de o banco dispor de mecanismos de segurança eficientes e eficazes, portanto, capazes de inibir a ação de mal feitores e estelionatários. De ver-se, outrossim, neste ponto, que no caso em testilha se está diante do que, na doutrina e na jurisprudência nacionais, se convencionou denominar damnum in re ipsa, que vem a ser o dano que se verifica apenas com a concretização do resultado lesivo e a conexão com o fato causador primário para o nascimento, ipso facto, do direito subjetivo à reparação integral pela simples violação, com base na teoria da objetivação. Cuida-se de caso típico de presunção absoluta sobre a ocorrência do prejuízo extrapatrimonial, com desnecessidade de sua comprovação no plano material, já que intuitiva a sua eclosão em consonância com a lógica ordinária das coisas, as máximas de experiência comum (cf. o artigo 335 da Lei de Rito), invariavelmente secundadas e corroboradas pelo quod plerumque accidit. No caso específico da Promovente, é induvidoso que os aborrecimentos e transtornos que vem arrostando desde que se inteirou da clonagem e do uso ilícito do seu cartão de crédito configuram dano moral passível de ser ressarcido pelo responsável direito pela perpetuação no tempo de aborrecimentos e transtornos que tais, no caso, o Banco Citicard S/A., constituindo prova irrefragável disso a provocação, mediante a propositura desta demanda, da atividade jurisdicional do Estado, sem cuja interveniência é lícito afirmar o caso da Requerente não seria, ante a renitência e contumácia da instituição bancária em toma essa iniciativa, materializada inclusive no fato de haver contestado a res in judicio deducta, não seria solucionado com justiça e equanimidade. Obtempere-se, ainda, que o pleito ressarcitório estriba-se na asserção de que o Suplicado agiu culposamente, i.e., fulcra-se e deita raízes tal pretensão na responsabilidade civil, e, nesses termos, insta observar que, para que surja e aflore a obrigação de ressarcir, mister ser faz a prova de existência de uma relação de causalidade entre a ação e a omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se esta experimentar um prejuízo, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da atitude do agente, o pedido de indenização por si formulado estará, necessariamente, fadado ao insucesso, posto que au-sentes os pressupostos legais estatuídos no artigo 186 do Estatuto Substantivo Civil de 2002. Como é sabido e consabido, na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais e basilares na doutrina subjetivista, quais sejam, a) a ofensa a uma norma jurídica preexistente ou erro de conduta; b) um dano; e c) a conexão causal entre uma e outro. Portanto, não basta que o agente haja procedido contra jus, contra legem, ou seja, não se aperfeiçoa e define a obrigação de indenizar, a responsabilização civil do agente, enfim, pelo só fato de perpetrar um comportamento doloso, negligente, imprudente ou imperito. Essa obrigação apenas surgirá a partir do instante em que, sofrendo a vítima uma lesão patrimonial (lato sensu) - que vem a ser, como é cediço, o elemento objetivo do dever de tornar indene o sujeito passivo da ação ou omissão ilícita -, a partir do instante em que, da conduta lesiva, resulte e redunde prejuízo e se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado, o que significa dizer que é preciso que não remanesçam incertezas de que, sem a ação comissiva ou omissiva, o dano não teria acontecido. Nessa linha de pensamento, tem-se que o dever de ressarcir do Requerido nasceu no exato instante em que, além de não dispor de um sistema operacional e de segurança capaz de evitar fraudes como aquela que vitimou a Suplicante, nenhuma providência concreta tomou com o escopo de minimizar a sua angústia e o seu sentimento de inadequação ao saber que seu cartão fora clonado e efetivamente utilizado em diversos estabelecimentos no dia 24 de agosto de 2012, isso pela singela e boa razão de presumir-se, com caráter de absolutidade (presunção juris et de jure), o prejuízo de índole moral por ela suportado, com o que ficaram comprovados a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade - trilogia estrutural da responsabilidade civil comum. Tangentemente ao montante indenitário a ser pago à Autora a título de reparação pelo dano extrapatrimonial que experimentou, este Magistrado, tomando como parâmetro a conduta a um só tempo temerária, negligente e inconsequente do Requerido, a gravidade de sua culpa, fincada no fato de haver feito tabula rasa do que preceitua o artigo 6º, incisos VI, da Lei Consumerista, o seu inconteste poderio econômico e a intensidade do trauma psíquico e emocional suportado e que ainda está a suportar a Acionante - veja-se a notícia nada alvissareira trazida por ela ao conhecimento deste Juízo em sua promoção de fls. 168/174, a confirmar o descaso do Demandado aos princípios da boa-fé objetiva, da confiança, da probidade e da equidade -, este Magistrado reputa razoável a sua estipulação em montante correspondente a 30 (trinta) salários mínimos vigentes à época da liquidação desta sentença, cumprindo assinalar que esse montante se nos antolha suficiente para proporcionar-lhe bem-estar psíquico compensatório dos aborrecimentos e desgostos que teve e continua tendo, como, outrossim, para, peda- gogicamente, punir e desestimular o Demandado de reincidir na perpetração de condutas assemalhadas à que teve e continua a ter para com a Suplicante, não sendo ocioso consignar que seu comportamento, além de desrespeitar o princípio da dignidade humana, guindado à condição de um dos sustentáculos da República Federativa do Brasil (cf. o artigo 1º, inciso III, da Carta R epublicana vigente), terminou por onerar ainda mais o já congestionado Poder Judiciário do Estado de São Paulo, o que, decerto foi levado em conta por este Juízo no arbitramento da verba indenitária. Sintetizando, em tendo a Demandante logrado desincumbir-se satisfatoriamente do ônus processual de demonstrar que suportou dano moral em razão de comportamento culposo do Acionado, bem assim como de que não fez as compras por si listadas na peça inaugural (cf. fls. 03), impende seja, sem mais delongas, acolhido o pedido inicial, inclusive para que seja reconhecida a inexistência do débito de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos), cuja cobrança insiste em fazer o Banco Citicard S/A.. Tollitur quaestio!

DECIDO. Pelo que precede, e levando em consideração tudo o mais que destes autos consta, hei por bem em JULGAR PROCEDENTE a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, proposta por L. F. D. A., qualificada na inicial, contra o BANCO CITICARD S/A., igualmente qualificado, o que faço para o fim de:

a) declarar inexistente a dívida que ensejou a propositura desta demanda, no importe de R$6.669,64 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos) e que decorre da utilização ilícita do seu cartão de crédito no dia 24 de agosto de 2012 junto às lojas nominadas a fls. 03 deste feito, incumbindo ao Suplicado promover, em 05 (cinco) dias, com caráter de definitividade, o seu estorno das faturas emitidas ultiormente às indigitadas compras, sob pena de, em não o fazendo, arcar com o pagamento de multa cominatória diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais - astreintes), ficando confirmada, inclusive para os fins do artigo 520, inciso VII, do Código de Processo Civil, a respeitável decisão proferida por este Juízo a fls. 63, em sede de tutela antecipada; e

b) condenar o Requerido a pagar para a Suplicante, à guisa de indenização pelos danos morais que culposamente lhe causou, a quantia equivalente a 30 (trinta) salários mínimos vigentes à época da liquidação desta sentença, a ser implementada na forma e nos moldes dos artigos 475-B, 475-I e 475-J da Lei de Rito.

Em face dos princípios causalidade e da sucumbência, condeno o Suplicado também no pagamento das custas e despesas processuais eventualmente despendidas pela Autora, bem assim como da honorária advocatícia, arbitrada, com escápula no § 3º do artigo 20 daquele diploma legal, em 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação apurado na fase procedimental de cumprimento de sentença (executória). Com supedâneo no artigo 269, inciso I, da Lei Processual Civil, declaro extinto o processo com resolução do mérito. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
 Processo nº 0064026-81.2012. (OBS: decisão sujeita a recurso).

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