29/03/2011

JUIZ AUTORIZA ABORTO DE ANENCÉFALO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 0535559-15.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente A. S. D. O, Impetrantes JOSÉ MARIO ARAÚJO DA SILVA, SILVIA APARECIDA NASCIMENTO e SÔNIA MARIA PEREIRA.

ACORDAM, em 11" Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, CONCEDERAM A ORDEM, PARA AUTORIZAR A REALIZAÇÃO DO ABORTO, VENCIDA A 3a JUÍZA. ACÓRDÃO COM O 2o JUIZ.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ABEN-ATHAR, vencedor, XAVIER DE SOUZA (Presidente), vencido, XAVIER DE SOUZA (Presidente) e MARIA TEREZA DO AMARAL.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2011.

ABEN-ATHAR
RELATOR DESIGNADO
 
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
1 I a CÂMARA - SEÇÃO CRIMINAL
 
VOTO n°: 13688
HABEAS CORPUS n°: 0535559-15.2010.8.26.0000
COMARCA : São Paulo
IMPETRANTE : Silvia Aparecida Nascimento e outro
PACIENTE : A. S. d. O.

Vistos.
 
Trata-se de habeas corpus impetrado pelas advogadas Silvia Aparecida Nascimento e Sônia Maria Pereira em favor de A. S. D. O.

Alegam as impetrantes, em suma (com pedido liminar e considerações de mérito), que a paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal em razão do indeferimento pelo MM Juiz de Direito da I a Vara do Júri desta comarca a Capital, que indeferiu pedido formulado de autorização para interrupção de gravidez, porquanto o feto apresentaria quadro de anencefalia.
Indeferida a liminar (fls. 82/83) e dispensadas as informações da apontada autoridade coatora, veio para os autos parecer da/ doutzsíirocuradoria Geral de Justiça (fls. 90/96), que opina pela denegação da ordem.

É o relatório.

Em primeiro lugar, como a propósito já reconheceu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgando a Apelação Crime n° 70011918026, da comarca de Porto Alegre (Terceira Câmara Criminal - Rei. Desemb. Elba Aparecida Nicolli Bastos), a questão preliminar levantada nessa Sessão sobre a suspensão dos processos e decisões em andamento deferida liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 5o da Lei n° 9882/99, na "Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54-8. interposta pela Confederação dos Trabalhadores em Saúde, com o reconhecimento do direito constitucional das mulheres grávidas antecipar o parto, comprovado tratar-se de fetos anencéfalos. interrompendo, garantindo seus direitos constitucionais", não pode impedir o conhecimento do presente writ, eis que não observado naquele caso quorum a que faz referência o mencionado artigo.

Mesmo que assim não fosse, a r. decisão da Corte Federal, aplicando o preceito legal citado não poderia alcançar data venia medida protetiva deduzida por meio de habeas corpus visando preventivamente o reconhecimento de que não se trataria de crime a interrupção de gravidez de feto portador de anomalia que inviabilizava a vida extrauterina (ainda que o pedido visasse simples autorização para o aborto), porquanto nesse caso estaria havendo clara violação ao disposto no art. 5o , inciso XXXV, da Constituição Federal, verbis:
 
Art. 5o . Omissis:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

No caso parece evidente que se o feto é inviável a vida extrauterina, padecendo como no caso padece aquele que está no útero da paciente de acrania, não pode existir um argumento lógico nem justo no sentido gravidez seja mantida.

Se a paciente voluntariamente quer a interrupção da gravidez, ainda que não encontre uma excludente da antijuridicidade da conduta no Direito Penal, estendida naturalmente aos profissionais técnicos que a auxiliarem nesse mister, naturalmente está protegida pelo fato de não poder ser dela esperada conduta diversa, essa, então, causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por ausência do elemento de reprovação.

Como exigir-se da paciente que carregue no ventre um ser que caso não morra antes mesmo do parto, no curso dos meses que restam para sua formação, como é da sabença técnico/científica e ordinária não viverá mais do que alguns minutos após perder o sustento interno do organismo materno?

Demais, parece evidente que se a lei penal exclui a punibilidade de aborto praticado por médico quando a gravidez resulta de estupro, e é precedido do consentimento da gestante ou de seu representante legal (art. 128, II, do CP), por maior razão não pode ser punido nem o médico nem a gestante quando o aborto envolve feto que, afora a possibilidade de sequer sobreviver à gestação, não tem a menor condição de ser mantido ou de se manter vivo fora do ambiente uterino.

Para o relator, aliás, o próprio direito nacional indiretamente autoriza a interrupção da gestação de feto, como no caso, anencéfalo ou anacrânico, na medida que autoriza pela Lei n° 9434, de 4 de fevereiro de 1997, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento,
desde que precedida de diagnóstico de morte encefálica.

Com efeito, se a morte encefálica pode levar ao desaparecimento do organismo humano que até então existia com a retirada dos orgãos essenciais a sua preservação como tal, assim expressamente o autorizando a lei, naturalmente o feto não dotado de encéfalo, ou, como no caso, anacrânico, po maior razão pode ser eliminado.

O direito de interrupção da gravidez no caso da inviabilidade do feto é, pois, inafastável para a gestante, colocando em risco não só sua higide física, como também psicológica, sendo o habeas corpus inclusive necessário com meio para impedir que, levando a termo seu propósito, venha a paciente a responde por violação à lei penal.

Por maioria de votos, pois, concede-se a ordem para autorizar a realização do aborto.

Aben-Athar
2o Juiz - Relator designado

(Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

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