28/08/2013

SENTENÇA FAVORÁVEL NO PROCESSO DE INDENIZAÇÃO - BLOQUEIO DE SALÁRIO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATOS - RESGATE AUTOMATICO DO SALARIO SEM AUTORIZAÇÃO.

VISTOS.
R. F. S. J., qualificado nos autos, ajuizou a presente ação, com pedido de tutela antecipada, contra BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, pessoa jurídica também qualificada,  alegando, em síntese, que é titular de conta salário e foi surpreendido com a informação de que o adiantamento salarial depositado por seu empregador em 15.04.2013 foi bloqueado integralmente pelo réu, para pagamento de dívidas  decorrentes de outros contratos. Afirma que o réu está promovendo “resgate automático” de seu salário, sem autorização, atitude que reputa abusiva, na forma do artigo 42 do CDC. Em decorrência disso, pretende a condenação do banco no pagamento de indenização por danos morais no valor correspondente a vinte salários mínimos. Pretende também que o réu se abstenha de promover novas retenções em seus vencimentos.
A petição inicial veio instruída com procuração e  documentos (fls. 31/48).
Os pedidos de tutela antecipada e justiça gratuita foram deferidos a fls. 49/50.
Citado, o réu apresentou contestação a fls. 60/82, alegando, preliminarmente, carência de ação, por ausência de interesse de agir.
 No mérito, sustentou a regularidade de sua conduta, em razão da inadimplência do autor desde 31.01.2012. Afirmou que a retenção não supera 30% de seus vencimentos líquidos e, portanto, admissível a compensação dos créditos. Discorreu sobre o pacta sunt servanda e a boa-fé contratual. Por fim, postulou a  improcedência dos pedidos e juntou documentos (fls. 83/91).
O  réu  noticiou  a  interposição  de  agravo  de instrumento (fls. 93/108).
Réplica a fls. 110/135, com documentos (fls. 136/143).
Em  atenção  à  decisão  de  fls.  144,  o  autor  juntou documentos a fls. 146/156.
 
É O BREVE RELATÓRIO.
DECIDO.
JULGO ANTECIPADAMENTE O PEDIDO, com fulcro  no artigo 330, inciso I, do CPC, tratando-se de matéria eminentemente de direito, que dispensa dilação probatória.  Neste sentido, confira-se o entendimento  jurisprudencial: “Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório”
Afasto a matéria preliminar ventilada em contestação, consistente em ausência de interesse processual. Com efeito, a existência de  débitos pretéritos não impede o prosseguimento da demanda, Porque tem origem na prática de ato ilícito pelo réu. Relembro, ademais, o conteúdo da Súmula 286 do STJ.
Superada a matéria preliminar, no mérito, os pedidos são parcialmente procedentes.
Inicialmente,  registro  que  está  configurada  a  relação consumerista  entre  as  partes,  pois  o  réu  é  fornecedor  de  serviços,  nos  exatos  termos do artigo 3º, §2º, da Lei 8.078/90. Desta  forma,  responde objetivamente  por  danos  causados  aos  consumidores  em  razão  de  defeitos  na  prestação  do  serviço  (artigos 14 e 20, §2º), bastando ao prejudicado a comprovação do nexo  de causalidade entre a conduta do fornecedor e o dano suportado, sem qualquer  exame acerca da culpa (em sentido lato).
Como  consabido,  “aquele  que,  por  ação  ou  omissão  voluntária,  negligência  ou  imprudência,  violar  direito  e  causar  dano  a  outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato  ilícito”  (artigo 186 do Novo Código Civil)  e,  por  conseqüência,  fica  obrigado  a  repará-lo  (artigo  927  do  mesmo diploma).  No  entanto,  tratando-se  de  relação  consumerista,  basta  que  o interessado (o autor) demonstre o nexo de causalidade entre a ação ou omissão (conduta do agente) e o prejuízo.
Neste  contexto,  visualizo  o  defeito  na  prestação  de  serviço.  Isto  porque,  a  despeito  dos  argumentos  trazidos  na  defesa,  não  há qualquer  documento  nos  autos  que  indique  a  assunção  ao  procedimento  ora combatido. A existência de débitos pretéritos, por si só, não autoriza o bloqueio do dinheiro   salário   para seu pagamento, existindo outros meios regulares de cobrança.  De  todo  modo,  o  banco  também  não  trouxe  aos  autos  qualquer  documento contendo a anuência do autor à compensação de dívidas e não basta afirmar  que  os  contratos  são  de  adesão. Mesmo  que  existisse  cláusula  neste sentido, certamente haveria nulidade a reconhecer, porque coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sobretudo em razão de seu caráter alimentar. 
De acordo com o princípio da  transparência elencado no Código de Defesa do Consumidor, as  informações a respeito dos produtos e serviços  oferecidos  para  o  consumidor  devem  ser  claras  e  precisas,  não podendo gerar confusão a ele. Vale dizer, “não basta a mera cognoscibilidade do conteúdo do contrato para que se tenha por cumprida a parte do fornecedor (...) é preciso que  tenha havido efetivo conhecimento de  todos os direitos e deveres que  decorrerão  do  contrato,  principalmente  sobre  as  cláusulas  restritivas  de direitos, que, a propósito, deverão vir em destaque nos  formulários de contrato de  adesão”  (NERY,  Nelson;  NERY,  Rosa  Maria  de  Andrade,  Código  Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed, RT, 2003, p. 942).
Ao  autor  incumbe  somente  demonstrar  o  nexo  de causalidade  entre  a  conduta  do  réu    defeito  na  prestação  de  serviços    e  o dano porventura suportado, o que ocorreu  in casu. Relembro que o consumidor inadimplente,  na  cobrança  de  dívidas,  não  será  exposto  a  ridículo  nem  será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, à luz do artigo 42 do CDC.
No  caso  vertente,  o  dano  moral  se  presume  e  é evento  ipso  facto em relação à conduta  ilegal, como  tal caracterizado  in re ipsa. Na  lição  abalizada  de  Sérgio  Cavalieri  Filho,  “dano  moral  é  a  lesão  de  bem integrante  da  personalidade,  tal  como  a  honra,  a  liberdade,  a  saúde,  a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Malheiros Editores, p.  78).  Relembro,  neste  passo,  que  o  dano  moral  não  afeta  o  patrimônio  do ofendido, ao contrário, “não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação,  o  complexo  de  que  sofre  a  vítima  do  evento  danoso,  pois  esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano” (in  “Responsabilidade Civil”, Carlos Roberto Gonçalves, 8ª edição, 2003). Trata-se,  na  verdade,  de  “dor  da  alma”,  interna,  não  palpável,  mas  evidentemente sentida, ao contrário do dano material, que se coaduna com a lesão patrimonial, isto  é,  aprecia-se  o  prejuízo  em  dinheiro,  conforme  a  diminuição  sofrida  no patrimônio da vítima.
A esse respeito, já se decidiu:
“DANO MORAL. Contrato  bancário. Cheque  especial e  empréstimos.  Ação  de  indenização  por  danos  morais  e  materiais.  Débitos efetuados  pela  instituição  financeira  onde  autor  recebia  seus  proventos.  Ação julgada improcedente. DESCONTO NA CONTA CORRENTE. Valores creditados pelo  empregador a  título de  salário.  Impossibilidade. Art. 649,  inc.  IV, do CPC.  Artigo  7º,  X  da  Constituição  Federal  e  51,  §  1º,  III  do  Código  de  Defesa  do Consumidor. Natureza alimentar não elidida por se  tratar de depósito em conta corrente.  DANOS  MORAIS.  Configuração  pela  conduta  de  invadir  a  conta corrente  do  autor,  e  apropriar-se,  o  banco,  de  valores  considerados  como alimentos. Fixação no  importe de R$ 5.000,00, a partir da data deste acórdão, com  juros  de  mora  da  citação.  RECURSO  PROVIDO”  (TJSP,  Apelação  n.º 0002366-68.2008.8.26.0022,  18ª  Câmara  de  Direito  Privado,  rel.  Jurandir  de Sousa Oliveira, data do julgamento 12.06.2013).
O valor da  indenização, nos  termos do artigo 944 do CC,  comporta  redução,  pois,  embora  envolva  valor  inestimável,  deve corresponder a uma quantia que conforte a vítima, sem enriquecê-la  (teoria do desestímulo). Assim, para atender ao ora explicitado,  fixo a  indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Diante  do  exposto,  JULGO  PROCEDENTES  EM PARTE OS PEDIDOS, declaro extinto o processo com resolução de mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, torno definitiva a  decisão  de  fls.  49/50  e  determino  que  o  réu  se  abstenha  de  efetuar  novos bloqueios ou retenções nos salários recebidos pelo autor, sob pena de aplicação de multa diária futuramente arbitrada para o caso de descumprimento, e condeno o  réu no pagamento de  indenização por danos morais ao autor no valor de R$ 5.000,00  (cinco mil  reais),  quantia  que  será  corrigida monetariamente  desde  o ajuizamento da ação, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, com incidência de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Nos  termos do artigo 21, parágrafo único, do CPC e da Súmula 326 do STJ, reconheço a sucumbência mínima do autor e condeno o réu  no  pagamento  de  custas,  despesas  processuais  e  honorários  advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, conforme apregoa o artigo 20, §3º do mesmo estatuto.
P.R.I.
São Paulo, 21 de agosto de 2013.

OBS: (decisão sujeita a Recurso – proc nº 1024689-34.2013)

Nenhum comentário: